Folha de S. Paulo


Igreja do México rende-se ao narcotráfico

Associated Press
This image released by The Orchard shows an Autodefensa member standing guard in Michoacan, Mexico in a scene from the documentary,
Miliciano faz vigia em Michoacan, no México, em cena do documentário "Cartel Land"

O México está vivendo uma situação que, talvez, acabe ocorrendo também no Brasil: uma de suas instituições principais, a Igreja católica, acaba de aceitar o narcotráfico como interlocutor necessário para escapar da violência.

O semanário "Desde la Fe", parte do sistema de comunicação da Arquidiocese do México, publicou editorial no domingo (11) em que respalda a iniciativa do bispo de Chilpancingo-Chilapa, monsenhor Salvador Rangel Mendoza, de revelar "a aproximação que manteve com membros da delinquência para assegurar o que as autoridades já não garantem: segurança".

Os fatos relatados no editorial demonstram cabalmente o estado de insegurança em que vive o país há décadas. Um só dos fatos citados: em apenas um Estado (Veracruz) e só de janeiro até abril passado, ocorreram 620 mortes violentas. Mais: no Estado de Guerrero, todos os dias são relatados assassinatos sem controle.

Como não poderia deixar de fazê-lo, o semanário se queixa de que "o clero (...) não se salva desse horror, que não se viu nem sequer na era do comunismo e nas perseguições religiosas".

Foi essa perseguição, somada à "ausência de autoridade que controle o crime", que provocou o diálogo do bispo com a delinquência. Ou, como prefere o editorial, fez com que "atores com autoridade moral saíssem a mostrar a cara para acordar, pelo menos, algumas cláusulas de paz e segurança para certos setores que, no passado, gozavam de respeito".

A igreja mexicana relata que as autoridades se irritaram com o diálogo aberto por monsenhor Rangel Mendoza com a criminalidade. Mas vai ao ataque para defender essa atitude:

"A realidade é que o México vive na pobreza e na miséria, que são campo fértil para a delinquência e a corrupção. A intervenção do clero para deter estas condições é reação ante o vazio de poder institucional."

Tenho a impressão de que é uma descrição que vale também para o Brasil, exceto pela "intervenção do clero" que aqui não houve, até onde se sabe.

Mas há, sim, a impotência do poder público ante a violência.

O que fazer? A resposta de uma parte da igreja mexicana foi entronizar o narcotráfico como ator político, ao negociar com ele para obter segurança ao menos para os prelados –o que é pouco e é egoísta, do meu ponto de vista, além de colocar a lei e a ordem nas mãos dos que violam ambas.

Prevalece, de todo modo, o fato de que a guerra ao tráfico não está funcionando, nem no México nem no Brasil. Mas há uma imensa resistência a pelo menos debater alternativas, quanto mais tentar implantá-las.

A rendição acaba sendo o caminho para alguns.


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