Folha de S. Paulo


Bizarrices da crise em um país bizarro

Danilo Verpa - 13.fev.2017/Folhapress
SAO PAULO - SP - 13.02.2017 - Entrevista Joesley Batista, dono da JBS, durante entrevista a Folha na sede da empresa em Sao Paulo . (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, MERCADO) ***EXCLUSIVO***
Empresário Joesley Batista, dono da JBS, na sede da empresa, em São Paulo

Tenho a impressão de que quase todo o mundo já verteu sua indignação com a crise, pelos diferentes meios ao alcance de cada qual, das colunas de jornal aos telejornais, dos botequins aos papos com amigos.

Utilizemos pois este breve intervalo em que a crise fica em banho-maria, até alguma decisão de alguma instância ou do próprio presidente da República, para explorar um pouco da bizarrice dos episódios recentes.

Primeira delas: a informação dos delatores da JBS de que o deputado afastado Rodrigo Rocha Loures foi contemplado com um acordo que lhe permitiria receber propina durante 20 anos. Contrapartida de uma interferência em alguma demanda da empresa junto ao governo federal.

Vinte anos de propina é inacreditável. Tudo bem que Rocha Loures é jovem (51 anos), mas é uma aposta besta supor que ele vai conservar pelos próximos 20 anos poder de influência no governo.

O próprio caso dele ilustra a bobagem: com o escândalo, o amigo de Michel Temer perdeu completamente a possibilidade de servir de gazua para arrombar portas no governo para facilitar a vida de quem quer que seja.

O que acontece agora? A JBS suspende os pagamentos? E, se o fizer, Rocha Loures entra com processo por incumprimento de contrato?

É tão ridículo que dá até para duvidar das informações contidas nas delações.

Outra bizarrice é a denúncia de que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tinham contas no exterior. O bizarro, nesse caso, não é a possibilidade de que tais contas existam. É o fato de que, pela delação, as contas não estavam em nome de Lula e Dilma, mas em nome de Joesley Batista.

Sempre segundo o que foi mostrado na TV, ele exibia aos dois extratos das contas para demonstrar o estado dos créditos. Como estavam em nome dele, Lula e Dilma teriam que ser supinamente cretinos para acreditar que as contas eram dele e dela.

De novo, é tão ridículo que dá para duvidar da veracidade das delações. Aí, sempre haverá alguém para dizer que os Batista estão condenados a dizer a verdade, sob pena de perder os benefícios da delação, benefícios, aliás, de uma generosidade de pai para filhos.

Essa observação é válida no caso da Odebrecht, em que estão presos muitos de seus executivos. Mas os Batista, ao contrário, estão soltos e têm a maioria dos seus negócios no exterior, principalmente nos Estados Unidos.

Logo, se ficar comprovado que a delação é falsa (total ou parcialmente), podem facilmente fugir para os Estados Unidos e continuar levando a vida de luxo a que se acostumaram.

Para concluir o capítulo bizarrice, é importante dizer que o presidente Temer claramente violou a dignidade do cargo no encontro com Joesley, seja qual for o resultado da perícia oficial nas fitas gravadas.

Portanto, está sujeito, sim, a impeachment. Mas não deixa de ser estranho que, no âmbito político, o impeachment terá que ser aprovado por um Congresso em que a agenda de Temer goza de maioria relativamente confortável.

O presidente pode ter se tornado imprestável para dar andamento à agenda, mas é razoável suspeitar que, se se confirmar a eleição indireta para seu sucessor, haverá uma operação casada: forma-se a maioria pelo afastamento desde que exista, igualmente, maioria para escolher um sucessor que execute o que ele ficou impedido de fazer.
É bizarro, mas o Brasil é um país bizarro, além de primitivo.


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