Folha de S. Paulo


Trump, Temer e suas manchetes

Manchete principal da sexta-feira (19) de "Confidencial", o sítio que traz a melhor informação da Nicarágua: "Temer à beira da destituição no Brasil".

Verdade? Exagero? Depende de como se lê e de como se trabalha a informação nestes tempos de "fatos alternativos", a expressão lançada pelos "trumpistas" para designar as mentiras que contam.

Evaristo Sa/AFP
O presidente Michel Temer faz pronunciamento em Brasília para pedir fim de investigação do STF
O presidente Michel Temer faz pronunciamento em Brasília para pedir fim de investigação do STF

Se eu fosse julgar a manchete de "Confidencial" pelo noticiário do "Jornal Nacional" na quinta-feira (18), diria que está correta. Foi uma escalada de socos que deram a nítida sensação de que Temer estava indo à lona. No dia seguinte, no entanto, vem a manchete anticlimática desta Folha : "Temer afirma que não renuncia; áudio sobre Cunha é inconclusivo".

Se é assim —e acho que é—, fica improvável que sua base parlamentar o traia, ao contrário do que aconteceu com Dilma Rousseff.

E, como se sabe, o Parlamento é a instância que tem mais poderes para defenestrar o presidente, se se excluir o TSE, que parecia encaminhar-se para punir apenas Dilma, já afastada, em nome de uma suposta estabilidade.

Parêntesis para deixar claro que, antes mesmo de a Folha defender em editorial de capa "Nem Dilma nem Temer", eu já havia escrito que a melhor saída para o imbróglio brasileiro de então (início do processo de impeachment) era o afastamento dos dois e, por extensão, eleições diretas imediatas. Fecho o parêntesis e volto à mídia, para dizer que o Brasil está sendo mais bem servido, no presente escândalo, do que os Estados Unidos.

Pode ter havido um exagero, aqui e ali, mas os nomes de todos os bois (sem trocadilho) foram expostos no papel e no horário nobre da televisão, a cada momento em que apareciam e dentro do contexto em que apareciam. Já nos Estados Unidos, o mesmo fato é contado de forma diferente pela mídia dita liberal (anti-Trump) e pela mídia conservadora (fanaticamente pró-Trump).

Pegue-se apenas o escândalo mais recente, o da demissão de James Comey, diretor do FBI.

Ficou claro, quando todos os fatos foram postos no contexto, que Comey foi demitido por sua insistência em investigar as ligações do "trumpismo" com a Rússia.

Mas, para a mídia chapa-branca, a demissão se deu por Comey ter conduzido mal a investigação sobre os e-mails de Hillary Clinton, durante a campanha eleitoral, e por sua teimosa insistência em continuar a investigação da conexão russa, "apesar de não haver nenhuma evidência de conluio entre a campanha Trump e a Rússia".

Alvin Chang, no sítio "Vox", mergulhou nas diferenças entre a maneira como o "New York Times" e as mídias ultraconservadoras tratam Trump e concluiu que a mídia direitista está criando histórias alternativas que "competem com fatos contextualizados que respaldam uma história mais acurada".

Ou, posto de outra forma, os Estados Unidos estão sendo submetidos a duas versões diferentes dos fatos —o que leva a acentuar a divisão do país já exposta na eleição. O Brasil também está dividido, mas porque a leitura dos fatos é feita com o fígado, péssimo conselheiro.


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