Na madrugada de 14 de dezembro de 1968, o dia seguinte à edição do Ato Institucional número 5, aquele que deu tintura ainda mais brutal à ditadura instalada quatro anos antes, saímos, os que havíamos fechado a edição do "Estadão", para conversar em um boteco da Consolação, em frente ao prédio em que então ficava o jornal.
Lembro-me de ter dito aos companheiros, à certa altura: "Interditaram o futuro".
É pois um choque verificar, praticamente 50 anos depois, que uma jovem talentosa como Tati Bernardi de certa forma repita essa sensação, ainda que em tom bem mais brando.
O subtítulo de sua coluna nesta sexta-feira (19) pergunta: "Existe hoje algum político que nos faça acreditar e, ao mesmo tempo, pareça ter força para governar este país?".
A resposta implícita é "não", como mostra o inteiro teor da coluna, uma ampla coleção de desencantos vários.
Não há como comparar 1968 com 2017. Agora, os partidos políticos funcionam. Funcionam mal, é verdade, mas é sempre melhor que funcionem do que fiquem banidos ou limitados como há 50 anos.
A mídia é absolutamente livre para publicar o que bem entender, até uma interpretação incorreta do trecho mais comprometedor para Michel Temer da conversa com Joesley Batista (não fica claro que o presidente tenha estimulado a compra do silêncio de Eduardo Cunha).
Não há presos políticos. Há, é verdade, políticos presos, o que é bem diferente e, em vista das evidências, é até saudável.
Os empresários que financiavam a repressão tinham carta branca. Agora, alguns dos que financiam a política vão para a cadeia e até confessam suas "condutas impróprias", como disse a Odebrecht, um neologismo para roubalheira.
Enfim, o arcabouço democrático está de pé e, do meu ponto de vista, é o que há de mais valioso.
Mas, ainda assim, a desesperança implícita e/ou explícita no texto de Tati Bernardi também está de pé. É curioso que, na manhã da mesma sexta, ao dar uma entrevista para uma rádio chilena, perguntaram-se sobre nomes para suceder Temer, qualquer que seja o desfecho desta etapa da crise.
Respondi invertendo frase famosa de Lula ao ganhar a eleição em 2002: em vez de "a esperança venceu o medo", o Brasil está em uma fase em que o medo [do futuro] venceu a esperança.
A interdição do futuro, a partir do AI-5 de 1968, durou 17 anos, até o fim da ditadura em 1985. O dramático, agora, é que a situação econômico-social é tão desastrosa que não dá para esperar nem 17 dias para limpar o horizonte das incertezas e saber como e quando poderemos votar –e retomar o fio de esperança.