Folha de S. Paulo


Trump, pede para sair

Donald Trump lembrou nesta quarta-feira (17) Luiz Inácio Lula da Silva e suas reiteradas queixas sobre perseguição da mídia. Disse Trump que "nenhum político na História tem sido tratado pior e mais injustamente" [do que ele].

Ao contrário de Lula, no entanto, Trump tem razão em parte.

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US President Donald Trump pauses while speaking to the press before take-off onboard Air Force One at Andrews Air Force Base, Maryland May 13, 2017. / AFP PHOTO / Brendan Smialowski
Donald Trump durante entrevista coletiva na Base Aérea Andrews, em Maryland

O brasileiro deveu sua ascensão à simpatia com que sua história de vida foi retratada pela mídia, que, depois, jamais omitiu os bons resultados de seu governo, o que ajudou a consolidar a sua imagem. O que a mídia não deixou de fazer é apontar o que até um ícone da esquerda e incansável bajulador do lulopetismo, como Noam Chomsky, acaba de fazer, em entrevista à Democracy Now:

"É simplesmente doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores, que levou adiante medidas significativas, não pôde manter suas mãos longe da caixa registradora. Eles se juntaram à elite extremamente corrupta, que está roubando o tempo todo, tomaram parte nisso e se desacreditaram."

Voltemos a Trump. De fato, minha memória não registra um presidente que tenha sido tão alvejado como ele. Chegou-se a um ponto em que a mais sintética mas, ao mesmo tempo, a mais precisa descrição da conjuntura norte-americana pertence a Rachel Maddow (rede MSNBC): "A hipérbole está morta", soltou na terça-feira (16).

De fato, a administração Trump produz tal quantidade de despautérios e com tanta frequência que se tornou impossível exagerar na retórica a respeito.

É como escreve o "Financial Times": "Donald Trump precisou de apenas quatro meses para conseguir o que Richard Nixon levou mais do que quatro anos.

Ou, em outras palavras, colocar-se em uma situação em que a palavra impeachment deixa de ser um delírio para se tornar uma possibilidade clara e presente —do meu ponto de vista, até desejável.

Significa que o bombardeio de que o presidente se queixa não é uma conspiração contra ele, promovida pelos "inimigos do povo", como Trump se refere à mídia, em eco de retórica nazista ou soviética.

É apenas o registro factual de impropriedades. E, no caso mais recente, de um potencial crime, o de obstrução da Justiça, como revelado no memorando em que o então diretor do FMI, James Comey, registra que o presidente pediu que ele encerrasse a investigação sobre ligações entre o pessoal de Trump e a Rússia. O grave em todo o cerco a Trump é que as críticas acabaram se concentrando mais no caráter do presidente do que propriamente nas medidas que ele adota.

Nem vou citar os "inimigos do povo". Nesta quarta-feira, o sítio "Times of Israel" publica declarações de Shabtai Shavit, ex-chefe do Mossad, o serviço israelense de inteligência, que qualifica Trump como "touro em loja de louças" e acrescenta: se lhe pedissem que passasse informações para a CIA, faria o possível para não entregá-las.

É o mesmo que dizer, como escreveu Edward Luce (Financial Times), que "a maioria das pessoas sabe que Mr. Trump não serve para ser comandante-em-chefe". Não serve também, portanto, para ser presidente.


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