Folha de S. Paulo


Esperança x medo, versão francesa

Damien Meyer/AFP
A photo taken on May 2, 2017 shows election campaign posters of French presidential election candidate for the En Marche! movement Emmanuel Macron (L) and French presidential election candidate for the far-right Front National party Marine Le Pen with graffiti reading
Propaganda eleitoral de Emmanuel Macron e Marine Le Pen em campanha pela Presidência da França

Arrisco-me a acreditar nas pesquisas e, portanto, a dar Emmanuel Macron como o presidente eleito pelos franceses neste domingo (7).

Bom que assim seja. Primeiro porque evita que chegue ao Eliseu uma xenófoba fascistoide como sua adversária Marine Le Pen.

Mas, atenção, a derrota da candidata da extrema direita não tira do ambiente o mal-estar responsável por levá-la ao segundo turno e que deu também quase 20% dos votos a Jean-Luc Mélenchon. Este era o crítico do establishment pela esquerda, como Le Pen pela direita.

A segunda boa notícia com a vitória de Macron, se as pesquisas estiverem certas, é que ele está vendendo a possibilidade (ou a ilusão, para os céticos como eu) de que essa "malaise" pode ser superada com um chute no tabuleiro da política tradicional.

"A aposta dele é romper com todas as categorias tradicionais", disse à Folha Daniel Cohn-Bendit, um dos revolucionários do maio francês de 1968, na entrevista bem conduzida por Mathias Alencastro.

Algo mais concretamente, Macron quer trazer para a administração o melhor da esquerda, o melhor da direita e o melhor do centro.

É uma tarefa ciclópica, mas que, se bem sucedida, servirá de estímulo a candidatos em 2018 em um Brasil também em estado de mal-estar agudo e descrente dos políticos tradicionais (ou de todos os políticos, dependendo de com quem se fala).

Cohn-Bendit disse também que Macron adotaria "políticas econômicas associadas ao campo de direita e políticas sociais do campo de esquerda". Beleza, mas impraticável: políticas sociais necessitam verbas, que são liberadas ou não pelas políticas econômicas associadas ao campo da direita e que privilegiam o equilíbrio das contas públicas.

É claro que, idealmente, pode haver contas públicas em ordem com o máximo de justiça social.

Aliás, a França é um bom exemplo de bem-estar social, na descrição de Paul Krugman, o Nobel de Economia que gosta de desafiar o pensamento convencional. Escreveu para o "The New York Times" primeiro que "a França é na verdade uma economia razoavelmente bem-sucedida", por mais que seja criticada pelos "ideólogos que insistem que generosos Estados de bem-estar têm efeitos desastrosos".

Acrescentou que se trata de uma economia produtiva: "É verdade que os franceses, no geral, produzem cerca de um quarto menos por pessoa do que nós [os americanos], mas isso se deve principalmente ao fato de que gozam de mais férias e se aposentam mais cedo, o que não são obviamente coisas terríveis".

(Pena que Krugman não possa dizer o mesmo do Brasil).

No caso da França, o problema é que uma parte importante dos franceses sente ameaçado seu bem-estar e culpa a globalização, a Europa, a imigração –os outros, enfim.

Macron, ao contrário, defende a Europa (com reformas ainda não explicitadas) e a globalização.

Mobilizou 250 mil militantes de base, criou cerca de 3.000 comitês pelo país e, segundo a jornalista Laurence Haïm, citada pelo "El País", "devolveu a ilusão à política".

É exatamente o que o Brasil mais necessita hoje em dia.


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