Folha de S. Paulo


Na França, terror vota na direita

Christian Hartmann - 20.abr.2017/Reuters
REFILE - CORRECTING CASUALTY NUMBER Masked police stand on top of their vehicle on the Champs Elysees Avenue after a policemen was killed and two others were wounded in a shooting incident in Paris, France, April 20, 2017. REUTERS/Christian Hartmann TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: PAR129
Policiais na acenida Champs Elysées na quinta (20), após morte de policial por extremista

O terrorismo já votou na eleição francesa deste domingo (23). Usou, em vez de cédulas, um fuzil para matar um policial. A sabedoria convencional manda dizer que esse tipo de acontecimento leva água para o moinho da direita e da extrema direita.

Pelo menos um especialista concorda com a sabedoria convencional: "Tradicionalmente, isso [um atentado terrorista] beneficia mais a direita e a extrema direita do que a esquerda", disse ao "Le Figaro" Bruno Jeanbart, diretor-geral do instituto de pesquisas OpinionWay.

Reforça Cas Mudde, cientista político especialista em populismo, entrevistado esta semana pelo excelente repórter que é Diogo Bercito: "Sendo um ataque direto do Estado Islâmico, é claramente orientado para influenciar as eleições presidenciais francesas, isto é, para dar gás a Le Pen" [Marine Le Pen, da extrema direita].

Se Le Pen prega o fechamento das fronteiras e adota um discurso antimuçulmanos como eixo de campanha, quando o terrorista da Champs-Élysées se chama Karim Cheurfi, seu ato só pode beneficiá-la. Não é à toa que o candidato da direita civilizada, François Fillon, logo após o atentado erigiu o combate ao terrorismo como "prioridade absoluta" –até então, a economia era o seu território favorito de campanha.

É claro que é cedo para medir o efeito do mais recente atentado na França sobre a votação, mas qualquer efeito é importante em um pleito em que os quatro principais candidatos têm intenções de voto pouco acima ou pouco abaixo dos 20%.

Qualquer pontinho que se mova em favor ou contra eles pode definir quais os dois que passarão para o segundo turno. Ainda mais que entre 28% e 31% dos eleitores dizem, conforme diferentes pesquisas, que ainda podem mudar o voto.

Mas é importante salientar que não é apenas o terrorismo a ameaça ao ordenamento liberal que predomina na França e na maior parte do Ocidente. Claro que se trata de um tipo diferente de ameaça, armado e letal (238 pessoas já foram mortas em atentados no país nos últimos dois anos).

O outro tipo de ameaça é político-ideológico: antes do atentado, a eleição era, em parte, uma disputa entre estatistas (Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, de esquerda), ambos dispostos a aumentar o contingente de funcionários, e Emmanuel Macron, liberal, que pretende enxugar a máquina pública.

Havia também (continua havendo, aliás) uma batalha entre o que eu chamaria, para simplificar, de "globalismo" versus "localismo". De certo modo, é a mesma batalha que se deu nos Estados Unidos, liderada por Donald Trump, e no "brexit".

No caso da eleição francesa, o "globalismo" é representado pela participação na União Europeia (defendida por Macron e criticada por Le Pen e Mélenchon).

Em termos mais acadêmicos, Angelos Chryssogelos (Royal Institute for International Affairs, mais conhecido como Chatam House) escreve: "A emergência global do populismo é, ela própria, a prova de tensões entre a crescente interconectividade de um mundo globalizado e a demarcação da democracia em linhas nacionais".


Endereço da página:

Links no texto: