Folha de S. Paulo


O 'processo' Temer sobrevirá?

Eliseu Padilha, o ministro-chefe da Casa Civil, pretendeu passar um retrato cor-de-rosa do Brasil que irá às urnas em 2018, na entrevista publicada sexta-feira (7) por esta Folha.

Disse o ministro, para adoçar a boca dos parlamentares que estão hesitando em aprovar a reforma da Previdência, que é natural que os políticos pensem na sobrevivência, mas deveriam entender que ela "se tornará mais fácil se o país estiver com um bom nível de desenvolvimento, tivermos a economia pulsando, estivermos reduzindo o número de desempregados, estivermos gerando mais renda para as famílias".

Nesse cenário, "tudo vai ficar mais fácil para os atuais políticos, pois eles é que são os autores deste processo".

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 07-04-2017, 15h00: O presidente da república Michel Temer durante entrevista à Folha em seu gabinete, no Palácio do Planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) ***ESPECIAL*** ***EXCLUSIVO***
O presidente da república Michel Temer durante entrevista à Folha em seu gabinete, no Palácio do Planalto

Caso se abstraia o impacto, ainda desconhecido, do desdobramento da Lava Jato no voto, é possível que Padilha tenha razão. Mas cabe perguntar se são realistas as hipóteses do ministro.

Dois exemplos externos levam a acreditar que não.

Primeiro, a Argentina, país em que o presidente Maurício Macri segue uma agenda bem parecida com a que Michel Temer anuncia e tenta implementar.

A greve geral da quinta-feira (6) acabou se transformando em um cabo-de-guerra entre adeptos de Macri e o sindicalismo, visualmente vencido por este. As imagens de uma cidade praticamente vazia parecem demonstrar que a greve foi de fato "contundente" como diz a CGT (Confederação Geral do Trabalho), principal promotora do protesto.

Na verdade, o êxito da greve (de qualquer greve, aliás) depende da paralisação do transporte. Na quinta-feira, não apenas o transporte coletivo foi bloqueado como até parte dos táxis parou.

Nessas circunstâncias, não dá para dizer que houve um repúdio maciço ao governo Macri. Mas dá para dizer que o governo não conseguiu, em seus 16 meses de vida, o "bom nível de desenvolvimento" e a "economia pulsando", antevistas pelo ministro Padilha.

É verdade que o ministro da Fazenda argentino, Nicolás Dujovne, obrigado ao otimismo, como todo ministro em qualquer país, prevê crescimento de entre 3,5% e 4% para 2017.

Mas o movimento sindical, que deu uma trégua de 16 meses a Macri, muito mais longa do que as concedidas a governos anteriores não peronistas, não acredita, tanto que se atirou a uma medida extrema como é a greve.

No Brasil, o ambiente é muito menos otimista, já que a previsão de crescimento para este ano nunca chega nem a 1%, quanto mais aos 3,5% a 4% antevistos pelo ministro argentino.

Um segundo exemplo é a Espanha. Um programa de austeridade como o que está sendo ensaiado no Brasil levou a um prolongado período de retração econômica. Só agora, depois de três anos de crescimento, a economia está voltando ao tamanho que tinha ao estourar a crise, em 2008.

Claro que não é automático que situação semelhante se reproduza no Brasil, mas a austeridade, embora necessária, é incapaz, por si só, de gerar uma "economia pulsando".

O desemprego na Espanha ainda está em 18,6%, o dobro da já triste média europeia.

São exemplos que não casam bem com a sobrevivência eleitoral dos "autores deste processo".


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