Folha de S. Paulo


Surpresa da disputa eleitoral da Holanda é a esquerda, não a direita

As pesquisas de boca de urna, confirmadas por um terço dos votos apurados, mostraram que o desencanto dos eleitores holandeses virou à esquerda, em vez da ultra-direita, ao contrário do que indicavam as pesquisas do início do ano.

Os dois partidos que formam a atual coalizão governista eram os que mais perderiam cadeiras, segundo as pesquisas e o início da apuração: aproximadamente 39, praticamente a metade das 79 que haviam conquistado na eleição anterior.

Robin van Lonkhuijsen/ANP/AFP
Membros do Partido Verde comemoram quarto lugar nas eleições parlamentares na Holanda
Membros do Partido Verde comemoram quarto lugar nas eleições parlamentares na Holanda

Ainda assim, como ironizou o jornal "Volkskrant", o partido do primeiro-ministro Mark Rutte, o liberal de direita Partido da Liberdade e a Democracia, pode festejar a derrota como se fosse uma vitória.

O problema de Rutte, assim como dos demais partidos civilizados da Holanda, era evitar que o primeiro lugar ficasse com o PVV (Partido da Liberdade), do xenófobo, islamófobo e anti-europeu Geert Wilders.

Conseguiu: com 32 assentos (em 150), Rutte ficou em primeiro lugar, mas, para formar governo, terá que conseguir o apoio de mais três partidos, em vez de compor-se apenas com o Partido do Trabalho (a social-democracia holandesa).

Foi este partido o grande derrotado do pleito, com apenas nove cadeiras, em vez das 38 obtidas em 2012 (já havia perdido três desde então, devido a cisões).

Confirma-se, assim, o forte declínio da social-democracia europeia.

A extrema-direita de Wilders melhorou seu desempenho (de 15 para 19 cadeiras), mas muito aquém do que a mídia internacional imaginava, ante um suposto auge do populismo de direita e da frustração com a União Europeia.

O que o pleito mostrou foi, ao contrário, uma reafirmação do velho sentimento pró-Europa da maioria do Holanda, afinal um dos seis países fundadores, há 60 anos, da então Comunidade Econômica Europeia.

Os partidos contrários à participação da Holanda (além do de Wilders, também o Partido Socialista) ficarão com apenas 33 cadeiras, pouco mais de 20% do total, quando as pesquisas no início do ano davam só a Wilders algo em torno de 25% dos votos.

O retrocesso dos dois partidos governistas beneficiou claramente o GroenLinks (VerdeEsquerda), que quase multiplicaria por quatro o número de cadeiras, passando a 15.

Seu líder, Jesse Klaver, de apenas 30 anos, já havia sido a sensação midiática da campanha, ofuscando de certa forma Geert Wilders.

Se a eleição holandesa era tida como uma eventual catapulta para o populismo de direita, após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, não funcionou como tal. Mas não significa necessariamente que populismos idênticos serão igualmente derrotados nos pleitos seguintes (França, em abril, Alemanha, no segundo semestre, e Itália, ou no fim do ano ou em 2018).

Circunstâncias locais acabam tendo forte influência, capaz de superar um momento em que a direita de fato está avançando.

O resultado holandês, de resto, confirma o desencanto com os partidos tradicionais, a ponto de o mais votado (o do premiê Rutte) ter obtido a menor porcentagem de votos desde 1956, há mais de meio século, portanto.

Como esse desencanto está presente em quase toda a Europa, é difícil antever para que lado se voltará o voto em cada país.


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