Folha de S. Paulo


México perde na guerra com Trump

A manchete de capa do jornal mexicano "La Jornada" na quinta-feira (23) já seria eloquente por si só: "A guerra com os Estados Unidos será longa", frase que atribuía ao chanceler Luis Videgaray.

A eloquência aumenta se se considera que a quinta-feira foi o dia da visita de dois altos funcionários norte-americanos ao México (o secretário de Estado, Rex Tillerson, e o de Segurança Doméstica, John Kelly). Destinava-se, em tese, a suavizar a "irritação" com que os mexicanos recebem a ofensiva do governo de Donald Trump contra o país.

Jose Luis Gonzalez - 22.fev.2017/Reuters
O ministro mexicano de Relações Exteriores, Luis Videgaray, em evento nesta quarta na Cidade do México
O ministro mexicano de Relações Exteriores, Luis Videgaray, fala em evento nesta quarta-feira (22)

Videgaray de fato usou a palavra "irritação" para caracterizar o estado de ânimo do governo mexicano, mas "guerra" é uma anabolizada do jornal: o que o chanceler disse é que será longo o trabalho de reconstrução das relações bilaterais.

"Guerra" ou "reconstrução", tanto faz: o México tende a perder em qualquer caso.

Primeiro, porque os Estados Unidos são o maior mercado para as exportações mexicanas (81% delas vão para o vizinho do norte). O fluxo comercial total (importações mais exportações) supera a soma do comércio dos EUA com Japão, Alemanha e Coreia do Sul.

Ser maltratado por um parceiro desse porte prejudica o México muito mais que os Estados Unidos.

As autoridades mexicanas parecem convencidas, no entanto, de que não é na área comercial que terão os maiores problemas. Acreditam que qualquer tentativa de retaliação comercial (se, por exemplo, os mexicanos insistirem em não pagar pelo muro fronteiriço que Trump quer construir) será barrada pela Organização Mundial do Comércio.

É provável que sim, mas nada impede que Trump use do mesmo voluntarismo que exibiu para vetar a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana para que o comércio seja imediatamente afetado.

O México teria que recorrer à OMC, mas esta demora muitíssimo mais para decidir do que a Justiça norte-americana, que rapidamente derrubou o veto de Trump.

Mas é na área da imigração que a "batalha" tende a ser perdida pelo México.

Primeiro, porque uma formidável massa de 34,6 milhões de mexicanos vive nos Estados Unidos. O natural é que todos se sintam enquadrados na categoria de "bad hombres", como a eles se referiu o presidente norte-americano.

Os mexicanos são a maioria entre os 11 milhões de ilegais que se calcula que vivem nos EUA e estão agora sob risco claro de deportação.

Para o México, seria uma tragédia humana e econômica se houver deportações em grande número: calcula-se que 2,5% da economia mexicana venha das remessas dos imigrantes clandestinos.

Nenhum país pode perder essa receita de uma hora para a outra sem sofrer sérias consequências.

Pior ainda é o custo humano de ter famílias dilaceradas pela expulsão de pais ou mães ou ambos, enquanto os filhos permanecem.

Não é tudo: Trump determinou a revisão de toda a ajuda que os Estados Unidos dão ao México. Só na chamada Iniciativa Mérida, lançada em 2007, há cerca de US$ 1 bilhão (R$ 3,1 bilhões) não alocado ainda. Trata-se de parceria bilateral criada há dez anos para enfrentar o crime organizado, reestruturar o sistema judicial e modernizar a fronteira, além de fortalecer grupos da sociedade civil.

O arsenal norte-americano é, portanto, portentoso, ao passo que o mexicano é limitado. Restringir as importações? Acabaria prejudicando mais o próprio México.

Liberar a passagem de migrantes que rumam para o Norte? É uma possibilidade e uma ameaça importante: atualmente, é maior o número de centro-americanos que tentam chegar aos Estados Unidos via México do que de mexicanos propriamente ditos.

Fogem de uma realidade alarmante: uma pesquisa de 2016 mostra que 34 mil pessoas foram mortas pela violência armada no México e no Triângulo Norte (El Salvador, Guatemala e Honduras), mais do que no Afeganistão, por exemplo, no mesmo período.

É essa a verdadeira guerra que México e Estados Unidos deveriam travar juntos, não fosse a xenofobia que se instalou no poder com Trump.


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