Folha de S. Paulo


Sai um populista, mas o populismo vive no Equador

As eleições de domingo (19) no Equador concretizam o fim de mais um líder populista, no caso Rafael Correa, há 10 anos no poder, mas estão longe de representar também o fim do populismo, essa característica tão marcante da América Latina.

É paradoxal, aliás, a ascensão de populistas como Donald Trump nos Estados Unidos e outros líderes dessa estirpe na Europa, exatamente no momento em que parecem em declínio no seu principal celeiro, a América Latina.

Não uso populismo com conotação necessariamente negativa, como uma corrente demagógica que finge representar o povo apenas para usufruir do poder. Em alguns casos, é de fato assim, mas, em outros, é apenas o atendimento de demandas populares.

No caso específico do Equador, o populismo de Correa teve efeitos estabilizadores inegáveis: nos 10 anos anteriores a ele, houve sete presidentes. Ele, ao contrário, manteve-se no poder à força do voto, ganhando em 2007, 2009 e 2013, sempre com maioria absoluta.

Não pôde candidatar-se de novo agora, mas colocou um homem de confiança (seu vice, Jorge Gras) como candidato a vice, na chapa encabeçada por Lenín Moreno, que também havia sido seu vice, mas não era o seu preferido.

Santiago Armas/Xinhua
O presidente do Equador, Rafael Correa
O presidente do Equador, Rafael Correa

Todas as pesquisas dão a Moreno um terço dos votos, pouco mais ou pouco menos. Supera qualquer adversário, uma clara indicação de que o "correísmo", a versão equatoriana de populismo, permanece forte.

É razoável supor, no entanto, que os dois terços que não votarão em Moreno no primeiro turno darão a vitória à oposição no segundo, provavelmente ao banqueiro Guillermo Lasso, do liberal Movimento Creo ("Creando Oportunidades").

Se a lógica prevalecer, acaba mais um governo populista, depois da derrota de Cristina Kirchner, na Argentina, e de Evo Morales, na Bolívia, na qual um plebiscito negou-lhe a possibilidade de uma re-recandidatura.

Há duas maneiras de olhar a provável derrota do populismo no Equador. Shannon O'Neil (Council on Foreign Relations), competente analista de América Latina, escreve: "A história mostra que o populismo polariza sociedades, enfraquece as economias e mina a democracia representativa".

Não é bem assim: a polarização, de fato, é evidente em todos os países que têm ou tiveram governos populistas, Brasil inclusive. Mas nem sempre a economia se enfraqueceu.

No Brasil, por exemplo, foi forte no governo Lula e só desabou com sua sucessora, aliás menos populista que o padrinho.

No Equador, até 2015, os anos Correa foram de bonança, a ponto de só registrar sua primeira recessão em 2016 (queda de 1,7%).

Quanto à democracia representativa, ela foi realmente sabotada na Venezuela, por exemplo, mas se trata de um caso de insanidade absoluta mais do que de populismo.

No Equador, Correa limitou de fato a liberdade de expressão, o que é lamentável, mas não basta para rotular seu reinado como uma ditadura.

O lado positivo, que dá vida ao populismo, é que ele fez um significativo esforço social, em países em que a pobreza é uma chaga permanente: para ficar só no caso do Equador, caiu de 49% em 2002 para 32,2% em 2012.

Criou com isso um reservatório de votos, ainda majoritário embora não suficiente para assegurar a vitória no primeiro turno. Acontece também no Brasil, em que Lula lidera as intenções de voto, apesar dos escândalos em que ele e seu partido se envolveram.

Caberá agora a Lasso, se de fato ganhar, assim como ao argentino Mauricio Macri, demonstrar que não-populistas são capazes de fortalecer a economia e a democracia, sem deixar para trás a massa de deserdados que continua sendo a veia aberta da América Latina, para citar o autor uruguaio Eduardo Galeano, morto há dois anos.


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