Folha de S. Paulo


Islã das luzes vencerá o das sombras

Que a maioria dos ataques terroristas recentes visa símbolos luminosos e ruidosos do modo de vida ocidental fica cada vez mais evidente.

Basta lembrar dois deles, ao Bataclan, em Paris, e, no início deste ano, em Istambul. Os alvos foram clubes noturnos que põem luz, cor e som ao pedaço festivo desse modo de vida (há um lado sombrio, mas essa é outra história).

Mas seria injusto dizer que se trata de um combate entre o Islã e o Ocidente. A julgar pela nacionalidade das vítimas de Istambul, o mais lógico é dizer que há, paralelamente, uma guerra entre o Islã das sombras e o Islã das luzes.

O das luzes parece estar ganhando, ainda que perca batalhas no meio do caminho, como ocorreu no caso da boate Reina, de Istambul.

É uma conclusão inevitável quando se conhecem as nacionalidades das 38 vítimas identificadas até a manhã desta segunda-feira (2).

Onze mortos eram turcos, um era turco-belga, sete eram sauditas, três do Líbano, três do Iraque, dois da Tunísia, dois do Marrocos, dois da Jordânia, um do Kuait e um da Síria – todos países de maioria muçulmana.

Ou seja, das 38 vítimas identificadas (faltava uma), 33 eram de países de predomínio acentuado do islamismo.

Que essas pessoas procurem um tipo de diversão que não existe ou é subterrâneo em seus países pode indicar que quem tem dinheiro no mundo islâmico liga menos para a religião e mais para a diversão (a boate Reina é caríssima, dizem os jornais europeus que se interessaram por ela depois do atentado).

Essa, digamos, ocidentalização do prazer incomoda os tradicionalistas da própria Turquia, o país de maioria muçulmana mais aberto do mundo, mesmo depois dos avanços autoritários do presidente Recep Tayyp Erdogan.

O "Monde" relatou em sua edição desta segunda (2) as críticas dos conservadores à maneira como a Turquia se vestiu de Natal.

No jornal Yeni Safak, pró-Erdogan, o editorialista Yusuf Safak escreveu: "É inimaginável esse delírio de Ano-Novo. Papais Noeis por toda parte, nos centros comerciais, nos mercados, nas ruas, nos locais de trabalho, na televisão, até no interior das casas, nas quais se veem os pinheirinhos de Noel. Este não é um país muçulmano?"

Se conservadores reagem dessa forma, é fácil imaginar o ódio dos fanáticos, como os do Estado Islâmico.

O problema para os fanáticos é que a atração que a luz, o som e as cores exercem até sobre muçulmanos é óbvia e – felizmente – muito maior do que a prometida pelos rigores da interpretação fanática do Islã.

A médio ou longo prazo, portanto, o Islã que aceita as luzes tende a triunfar. Enquanto isso, falam mais alto os Kalashnikovs.


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