Folha de S. Paulo


Israel tem que escolher entre colônias e democracia

Mahmoud Illean - 20.set.2016/Associated Press
Palestino caminha em área de construção de apartamentos israelenses em bairro de Jerusalém Oriental
Palestino caminha em área de construção de apartamentos israelenses em bairro de Jerusalém Oriental

Israel tem que escolher entre os assentamentos que mantém (e amplia) em territórios palestinos e preservar suas duas principais características (um Estado judeu e democrático).

"Não pode ter ambas", decretou John Kerry, o secretário de Estado dos Estados Unidos, o maior aliado de Israel, transformando em institucional uma avaliação que é corrente entre analistas independentes, não contaminados pelo radicalismo que é uma característica básica do Oriente Médio.

A lógica que Kerry assumiu é fácil de enunciar: como ele próprio disse, há hoje tantos habitantes árabes como judeus no pequeno território que Israel e palestinos deveriam dividir, se respeitada a resolução da partilha que a ONU adotou em 1948.

Se Israel continuar a dificultar a solução clássica "dois Estados para dois povos" e mantiver a tendência de criar no terreno fatos que conduzam a um único Estado, logo os palestinos se tornariam a maioria, pelo maior índice de natalidade em relação aos judeus.

Se esse Estado único for democrático, a maioria (palestina) mandaria e ele deixaria de ser judeu. Para preservar o caráter judeu, teria que cercear os direitos dos palestinos, inclusive o direito ao voto –com o que Isreael deixaria de ser democrático.

O longo pronunciamento de Kerry repetiu afirmações e posições adotadas ao longo dos anos por sucessivas administrações norte-americanas, mas seu eixo ficou claramente centrado em defender a necessidade dos dois Estados, a "única solução viável".

Kerry deixou claro que essa saída está ameaçada em especial pela expansão das colônias israelenses em territórios palestinos.

A ameaça, de resto, foi explicitada por Naftali Bennett, líder do partido ultranacionalista Bait Yehudi (Lar Judaico), representante dos colonos, logo após a vitória de Donald Trump na eleição norte-americana.

Bennett deu então por sepultada a tese dos dois Estados. A escolha de David Friedman para embaixador de Trump em Israel só fez reforçar essa impressão: Friedman não só defende as colônias como quer que a embaixada dos Estados Unidos se transfira para Jerusalém, deixando Tel Aviv (cidade em que a ONU determinou que todas as embaixadas se instalem).

Israel considera Jerusalém sua capital eterna e indivisível. Kerry, no entanto, lembrou que o status de Jerusalém terá que ser definido em um acordo de paz abrangente e que os palestinos têm a legítima aspiração de ver sua capital instalada em Jerusalém oriental (de maioria palestina).

O discurso de Kerry é a mais contundente manifestação de repúdio à solução de um só Estado e, ao mesmo tempo, a mais angustiada indicação de como a tese está prosperando velozmente.

O secretário de Estado admitiu, francamente, que a nova administração, a de Trump, tem pontos de vista diferentes em relação a Israel/Palestina. Logo, tudo pode mudar a partir de 20 de janeiro quando Trump assumir.

Mas Kerry tem razão quando diz que ninguém até agora apresentou uma "alternativa viável" para pôr fim ao conflito entre israelenses e palestinos, que, de resto, só tenderia a se agravar se Israel encampar a tese de seus radicais.


Endereço da página:

Links no texto: