Folha de S. Paulo


A mídia não tem culpa

Joe Raedle - 9.nov.2016/AFP
NEW YORK, NY - NOVEMBER 09: Republican president-elect Donald Trump delivers his acceptance speech during his election night event at the New York Hilton Midtown in the early morning hours of November 9, 2016 in New York City. Donald Trump defeated Democratic presidential nominee Hillary Clinton to become the 45th president of the United States. Joe Raedle/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Donald Trump discursa após vencer a eleição pra presidente dos EUA

A tal de mídia virou o saco de pancadas favorito de boa parte da própria mídia e de analistas de variadas tendências e competências depois da vitória de Donald Trump.

Para não perder o costume, vou remar contra a maré: não vejo como culpar a mídia, pelo menos não pelos motivos que estão sendo esgrimidos.

Há, sim, uma culpa: aceitar candidamente demais as pesquisas que davam a vitória a Hillary Clinton. Mas, mesmo nesse ponto, cabem três observações relevantes:

1 - A pesquisa sobre o voto popular acertou. Hillary ganhou a eleição popular.

2 - Jornais, de modo geral, não fazem pesquisas. Delegam-nas a institutos. No Brasil, a Folha, por exemplo, não faz pesquisa. O Datafolha as faz, mas, como é propriedade do Grupo Folha, quando erra, a Folha pode ser igualmente responsabilizada.

Nos Estados Unidos, a responsabilidade dos jornais, repito, limita-se ao fato de ter aceitado candidamente as pesquisas, sem nem sequer prevenir que a grande maioria delas dava vantagem a um ou outro candidato dentro da margem de erro.

A Folha não comete esse erro.

3 - Segundo Guga Chacra, o brilhante correspondente da GloboNews em Nova York, nos Estados que acabaram definindo a vitória de Trump no Colégio Eleitoral, ou não foram feitas pesquisas ou eram amadoras.

Não deveriam, portanto, merecer o crédito que lhes foi dado.

Pesquisas à parte, é falsa a avaliação de que a mídia não captou o mal estar dos eleitores de Trump. Cansei de ler reportagens sobre os trabalhadores brancos sem educação superior que se consideravam perdedores da globalização e, por isso, votariam em Trump.

Até a Folha, que tem menos antenas nos EUA do que a mídia local, como é óbvio, fez mais de um registro a respeito, em textos excelentes das três meninas poderosas que tinha nos EUA (Anna Virginia Balloussier, Isabel Fleck e Patrícia Campos Mello) e do correspondente Marcelo Ninio.

Outra crítica comum mas equivocada: a mídia não levou Trump a sério e, com isso, contribuiu para fazer propaganda de um bufão.

Falso. A mídia "mainstream" não só retratou bem o candidato republicano como foi ouvida por seu público: pesquisas de boca-de-urna indicam que 60% dos eleitores norte-americanos chegaram às urnas com uma visão desfavorável dele; que 63% concluíram que ele carece de temperamento para ser presidente; e que 60% o consideram desqualificado para ser presidente.

É razoável supor que os restantes 40% pouco mais ou menos não lêem os grandes jornais. Preferem as redes sociais, território livre da mistificação e da desinformação.

Que culpa tem a mídia se entre 15% e 20% dos que têm opinião desfavorável de Trump votaram nele mesmo assim?

A culpa, nesse caso, é de Hillary Clinton, sobre a qual pesavam desconfianças em porcentagens parecidas, embora menos elevadas, sempre de acordo com pesquisas boca-de-urna.

Por fim, a mídia não pode ser culpada por não endossar a agenda de Trump. Fazê-lo equivaleria a jogar no lixo posições que jornais como o "Washington Post" e o "New York Times" defendem historicamente.

A maioria dos americanos, aliás, tampouco a endossou. Ele ganhou pelo esdrúxulo modelo de Colégio Eleitoral. É um presidente legítimo, mas é uma agenda levemente minoritária, insisto.

crossi@uol.com.br


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