Folha de S. Paulo


Enquanto o Brasil se omite, rabino compara guerra na Síria ao holocausto

Sigo as pegadas de Hussein Kalout que, com a competência habitual, reclamou, na sexta-feira (14) da omissão global, inclusive do Brasil, em relação ao morticínio no Iêmen.

Há um massacre ainda mais hediondo em curso na Síria, já faz praticamente seis anos, a ponto de poder ser chamado de um "pequeno holocausto".

Creio que os judeus, mesmo os mais fanáticos, não poderão reclamar de usar essa comparação porque ela não é minha mas de Yitzhak Yosef, chefe dos rabinos sefardim (os judeus originários de Portugal e Espanha).

O rabino Yosef afirma que os judeus têm (deveriam ter) uma responsabilidade particular por se manifestar porque, durante o holocausto, "o mundo permaneceu em silêncio", mas "nós devemos agir de forma diferente".

Yosef fez um breve resumo da situação: "A cada dia, não longe daqui, homens, mulheres e crianças são mortas na Síria e particularmente em Aleppo. Milhões de refugiados estão sem teto, centenas de milhares de outros passam fome, sob sítio. Não são nossos amigos, mas são seres humanos que estão sofrendo um pequeno holocausto".

Não é apenas um rabino que cobra uma tomada de posição a respeito do holocausto sírio. Em carta a propósito da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um grupo de personalidades da sociedade civil desses países (menos da China, uma ditadura que não tolera esse tipo de manifestações) também pede romper o silêncio.

Diz a carta: "Apelamos à liderança dos Brics que condenem incondicionalmente todos os ataques ilegais contra civis, infraestruturas civis, comboios e colaboradores humanitários. A credibilidade desta condenação dependerá de exigências adicionais de responsabilização e justiça. Assim, apelamos à liderança dos Brics para apoiar inteiramente a decisão do secretário-geral das Nações Unidas de investigar os recentes ataques a comboios humanitários e exigir que todas as violações do direito humanitário internacional sejam investigadas ao abrigo de um mecanismo de controle e investigação, com o objetivo de identificar os agressores desses ataques para que possam ser responsabilizados em conformidade com a legislação internacional".

Eu não teria um segundo de hesitação em assinar a carta, mas desconfio que ela será inútil. Uma parte da responsabilidade pelos ataques ilegais a civis e a colaboradores humanitários é de responsabilidade da Rússia, seja por ação direta (ainda que seu governo negue), seja pela colaboração jamais desmentida com as forças do ditador Bashar al-Assad, que não conhece limites humanitários.

Tanto não conhece que anunciou, na sexta-feira (14), a intenção de "limpar" Aleppo, o que reforça a comparação do rabino com o holocausto: o nazismo também promoveu a "limpeza" dos judeus, na Alemanha e em países ocupados.

A presença da Rússia torna óbvio que a cúpula dos Brics mencionará a crise síria nos termos anódinos das tomadas de posição de um grupo de países que pouco ou nada têm em comum.

Não serve de desculpa para mais uma omissão do Brasil.


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