Folha de S. Paulo


Trump contra a mídia, quem ganha?

A revista "The Atlantic", em seus 159 anos de história, só endossou dois candidatos presidenciais: um no século retrasado (Abraham Lincoln), em 1860, e, o outro, em 1964 (Lyndon Johnson).

Não é que esse distanciamento histórico, que já durava 62 anos, foi quebrado na quarta (5)? Sim, você adivinhou: o voto da revista, intelectualizada, vai para Hillary Clinton.

Parece não haver uma única publicação relativamente importante nacionalmente que apoie o rival de Hillary, o bufão Donald Trump. Pudera: "The Atlantic" qualifica o republicano como "o mais ostensivamente desqualificado candidato de um grande partido em 227 anos de história da Presidência americana".

E, como se fosse pouco, ainda acrescenta que Trump é "um demagogo, um xenófobo, um sexista, um 'sabe-nada' e um mentiroso".

A revista não foi a única a quebrar uma semi-virgindade (com perdão pela inexatidão) em matéria de apoio a candidatos: o jornal "USA Today", popularesco, sem chegar a endossar Hillary, digamos que "desendosou" Trump, ao considerá-lo "despreparado" para o cargo.

Recente balanço do Pew Research Center, a mais completa coleção de pesquisas e estatísticas dos Estados Unidos, mostra que os endossos a Hillary "estão vindo não apenas dos usuais suspeitos de sempre da mídia 'mainstream' [alusão óbvia a "New York Times", por exemplo], mas também de jornais que nunca antes haviam apoiado um candidato democrata ou não o haviam feito em décadas ("The Dallas Morning News", "The Arizona Republic", "The Cincinnati Enquirer") ou nunca haviam endossado um candidato, como é o caso do "USA Today". "The Wall Street Journal" não chegou lá, pelo menos até agora, mas uma integrante de seu conselho editorial inclinado ao conservadorismo, Dorothy Rabinowitz, chamou Trump de "despreparado" (a palavra está se tornando segundo sobrenome para o milionário).

O que surpreende não é que a esmagadora maioria da mídia de qualidade esteja rejeitando Trump. Afinal, do meu ponto de vista, ele merece a descrição que dele fez "The Atlantic", ao optar por Hillary.

O que surpreende é que o republicano ainda tenha chances de vitória, mesmo que as mais recentes pesquisas indiquem vantagem para a candidata democrata.

Pode ser que a mídia tenha perdido capacidade de influência, mas meu palpite é mais óbvio: todo mundo diz que as pessoas votam com o bolso e há uma fatia dos americanos que está com bolsos menos cheios.

Pesquisa do grupo Sentier mostra que os jovens de 25/26 anos sem formação universitária viram sua renda evoluir de US$ 32 mil por ano para apenas US$ 38 mil entre 1996 e 2014. Já os com nível superior saltaram de US$ 40 mil para US$ 94 mil, mais que o dobro, portanto.

É esse grupo de classe média baixa, inclusive os de mais idade, que Trump cultiva. Trata-se de eleitor que pouco ou nada se sensibiliza pelos conceitos éticos, morais ou intelectuais que levam a mídia a desqualificar Trump.

Falta apenas um mês para se saber se é um grupo grande o suficiente para derrotar a mídia.

crossi@uol.com.br


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