Folha de S. Paulo


A culpa pela 'maior crise da história' é também de Temer

Michel Temer jura que não tem nada a ver com o que chama (corretamente, aliás) de "a maior crise da história". Falso: Temer é corresponsável pelo estrago causado por Dilma Rousseff. Fico até constrangido em dizê-lo, tão óbvia que é a constatação. Mas, já que o vice, agora efetivado, finge que não é com ele, vejamos alguns pontos básicos:

1 - Temer fez questão de ser de novo candidato a vice-presidente na chapa de Dilma, na eleição de 2014. Ora, se queria continuar na chapa, a implicação óbvia é a de que concordava com as políticas executadas até então. Foram elas que levaram à "maior crise da história", tanto que Dilma, ao inaugurar o segundo mandato, despachou Guido Mantega, seu ministro da Fazenda no primeiro período, e chamou Joaquim Levy, com a missão de fazer o que, agora, cabe a Henrique Meirelles.

2 - Temer não teve nem a coragem de criticar algo da política adotada pela presidente, ao contrário do que fez, por exemplo, um de seus antecessores, José Alencar, vice de Lula.

Leila Macor/AFP
Brazilian president Michel Temer talks to the press after a meeting in New York with US investors, organized by the Council of the Americas on September 21, 2016. / AFP PHOTO / Leila MACOR
Presidente Michel Temer fala à imprensa em NOva York, no mês passado

Alencar cansou-se de atacar os juros altos praticados na gestão Lula. É verdade que suas críticas acabaram sendo inócuas, porque Lula preferia sempre ouvir Meirelles, então presidente do Banco Central, um inoxidável ortodoxo.

Conto a propósito episódio sobre juros de que fui testemunha: dias depois da posse de ambos, Meirelles foi ao tradicional Fórum de Davos. Cruzei com ele no cafezinho e perguntei como fizera para convencer Lula a aumentar os juros (de 25%, já obscenos, para 26,5%). Meirelles contou, então, que dissera ao presidente que, no Brasil, sempre que a inflação bate nos dois dígitos (como estava acontecendo na ocasião), acaba disparando.

Digamos que não é ciência, mas é uma demonstração de que, além de salsichas e jornais, se soubermos como se faz política econômica no Brasil não compraríamos nem um nem as outras.

Volto a Temer: seu silêncio, ao longo do período Dilma (exceto para a mesquinha queixa de que era um vice decorativo), só pode ser lido como cumplicidade.

O máximo que o hoje presidente poderia alegar é que não era chamado para participar de decisões do governo, apesar de ser o presidente do maior partido de sua sustentação.

Desculpa pobre. O fato é que o PMDB, com Temer à cabeça, é parte de um sistema político apodrecido, como a Lava Jato está demonstrando a cada dia ou semana.

Giuseppe Coco, cientista político formado na Universidade de Paris 7 e hoje na Federal do Rio de Janeiro, escreve para a revista "Nueva Sociedad" que Temer e Dilma são "duas caras da mesma moeda, cúmplices e responsáveis, os dois, da crise".

Para sorte do presidente, o PT lhe dá legitimação para seu projeto de reformas, ao colocar Temer "à frente de um golpe e fazer dele uma força política oposta quando, na realidade, é aliada e corresponsável do fracasso do PT", completa Coco.

Resta saber se e quando a responsabilidade pelo fracasso, aos olhos do público, sairá da órbita do PT para cair também no colo de Temer.


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