Folha de S. Paulo


Trump, a insanidade e o caos

Decreta Thomas Friedman, talvez o mais badalado colunista do planeta, no "New York Times" desta quarta-feira (28): "Seria uma insanidade colocar Donald Trump na Casa Branca".

Até concordo com Friedman, mas é claro que sua opinião tem o viés dos liberais norte-americanos (o máximo de esquerda que eles se permitem) contra o republicano.

O importante aí não é tanto a opinião do colunista, mas o fato de que os líderes mundiais concordam com ela, a julgar pela reportagem também desta quarta de Robert Fife, chefe do escritório de Ottawa do canadense "The Globe and Mail".

Informa Fife: "O ministro de Finanças do Canadá, Bill Morneau, e alguns de seus pares no G20 trocaram privadamente inquietações sobre o impacto nos mercados financeiros internacionais de uma presidência Trump e seu potencial dano para a frágil economia global".

Não foram só os ministros de Finanças: sempre segundo Fife, o primeiro-ministro, Justin Trudeau, trocou inquietações com líderes mundiais, entre eles o mexicano Enrique Peña Nieto e o norte-americano Barack Obama.

O temor manifestado nessas conversas entre os líderes reunidos na recente cúpula do G20 na China é o de que a eleição de Trump provoque caos na economia mundial.

Ninguém é obrigado a acreditar em fontes anônimas, mas minha longa experiência na cobertura de cúpulas como as do G20 ou, antes, do G7/G8 indica que os funcionários canadenses são as melhores fontes para bastidores nessas ocasiões.

É um país bem resolvido, rico, mas sem pretensões hegemônicas, o que faz de seus representantes livre-atiradores para contar o que os de outros países preferem esconder ou mostrar só parcialmente.

Até ler o "Globe and Mail", não havia visto nada sobre a cúpula do G20 que relatasse que Trump havia sido um dos fantasmas mais presentes, pelo menos nas conversas de bastidores.

É claro, de todo modo, que os três governantes mencionados no texto têm um motivo específico para temer Trump: o republicano já disse e repetiu que o Nafta (o acordo de livre comércio que envolve EUA, Canadá e México) é "o pior acordo comercial da história".

Prometeu rasgá-lo.

Seria um óbvio abalo para as três economias, com inevitáveis repercussões no resto do mundo.

Diz, por exemplo, Craig Alexander, economista-chefe da Conference Board do Canadá: "Qualquer movimento para impor medidas protecionistas teria impacto no Canadá e no México, mas também enfraqueceria o crescimento global".

Some-se a essa perspectiva o fato de que Trump promete criar sobretaxas sobre as importações provenientes da China e está desenhado um cenário de conflito, ao menos comercial, entre as duas maiores economias do mundo. O efeito será catastrófico, como é óbvio.

Nem a aparente vitória de Hillary Clinton no debate da segunda-feira (26) basta para afastar o risco de a insanidade triunfar.

O melhor resumo, a meu ver, foi do jornal alemão "Süddeutsche Zeitung": "Trump perdeu, mas Clinton não venceu". A insanidade continua no ar, pois.


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