Folha de S. Paulo


Sem encontrar saída para as drogas, Colômbia não terá paz tão desejada

É sintomático: o medo está tomando conta de Cartagena, a belíssima cidade do Caribe colombiano onde será assinado nesta segunda-feira (26) o histórico acordo de paz entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Não, não é medo do acordo ou de que os guerrilheiros baixem em massa na cidade. É mais sinistro, conforme a descrição do excelente sítio "La Silla Vacía": "Uma sequência de fatos violentos em zonas ricas põe em evidência um dos principais desafios que ficam para o pós-conflito [com as Farc]: a violência urbana e o flagelo das bacrim (bandas criminosas)".

É óbvio que o acordo de paz é uma bênção para a Colômbia por múltiplas razões, a principal das quais é a de que poupará vidas. Antes mesmo do acordo, o número de mortos pelo conflito já caíra verticalmente, enquanto as negociações de paz iam avançando: em 2015, houve 146 mortes por causa da guerra, mas, até junho, registraram-se apenas três vítimas.

E, ainda durante as negociações, em 2015, pela primeira vez na história recente, a verba para educação superou a destinada à guerra.

Basta para supor que seria um suicídio coletivo se os colombianos rejeitassem o acordo no plebiscito convocado para 2 de outubro. Mas seria ingênuo acreditar que, cessada a guerra com as Farc, a paz se instalará plenamente na Colômbia.

Primeiro, porque subsiste uma segunda guerrilha, o Exército de Libertação Nacional, menos numerosa e menos letal. E, segundo e principal ponto, porque as drogas e a violência a elas associada continuarão presentes.

É verdade que as Farc se comprometeram a abandonar seu papel na proteção que oferecem aos narcotraficantes. Mas parece inevitável que a retirada seja seguida pela ocupação do espaço por outros atores.

Afinal, é uma regra de ouro do capitalismo que, onde há demanda, alguém se prontifica a promover a oferta. Que a demanda é elevada fica claro pelos números da própria Colômbia, que é um mercado consumidor secundário: as famílias envolvidas no negócio da coca aumentaram de 67 mil em 2014 para 75,5 mil em 2015, conforme mostrou reportagem da sempre excelente Sylvia Colombo nesta Folha.

John Vizcaino/Reuters
Colombia's President Juan Manuel Santos (C) and Colombian First Lady Maria Clemencia de Santos arrive at congress to present the FARC peace accord to the president of congress in Bogota, Colombia, August 25, 2016. REUTERS/John Vizcaino TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: JWV01
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, entrega o texto do acordo com as Farc ao Congresso

Para que a paz fosse mais ampla seria preciso uma presença e uma eficácia maior do Estado, conforme assinala Matthew Taylor (Council on Foreign Relations): "O Estado colombiano tem sido fraco e ineficaz em grandes porções do território. De fato, uma das causas do anunciado sucesso das Farc foi precisamente que preencheram o vácuo em áreas do país que foram ou ignoradas ou abandonadas em mãos de homens fortes locais".

A mais elementar sabedoria convencional manda supor que o vácuo agora deixado pelas Farc será igualmente preenchido ou pelo ELN (que, de resto, já está se movendo para tanto) ou pelas bandas criminosas, parte delas dedicada ao narcotráfico. É, portanto, sensato sugerir que o acordo de paz seja seguido por uma nova política —que teria de ser global— que substitua a guerra às drogas por um novo enfoque.


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