Folha de S. Paulo


É inadmissível a fuga de Temer

É inadmissível a ausência do presidente Michel Temer na cúpula sobre a crise dos refugiados convocada por seu colega Barack Obama.

Temer estava em Nova York, local do encontro, mas preferiu fugir para o hotel e mandar em seu lugar o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Com essa fuga, Temer apenas dá razão à crítica de que o Brasil do novo governo ficaria em um cantinho de mundo em vez de se envolver com as grandes questões, ao contrário do que fez, com erros e acertos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Brasil jamais ficará em um cantinho do mundo, seja qual for o seu governante. Não pela qualidade deles (ou falta delas), mas pelo seu tamanho, população e dimensão econômica e territorial. Não dá para esconder um gigante desse porte.

Nem Temer parecia disposto a fazê-lo, após comparecer tanto à cúpula do G20, na China, como à tradicional abertura da Assembleia Geral da ONU, com o que aproveitou para participar de reuniões dos Brics e múltiplos encontros bilaterais. O problema é que a questão dos refugiados é o principal tema do momento, a ponto de Obama ter dito que se trata de "um dos mais urgentes testes do nosso tempo".

O Brasil de Temer, portanto, não passou no teste, por não comparecimento. Os defensores do novo governo poderão até alegar que o Brasil, na mais grave crise econômica em um século, o que só agrava suas já deploráveis condições sociais, não teria possibilidades de se comprometer com o acolhimento de refugiados, além dos (poucos) que já recebeu.

Não é um bom argumento, quando se consideram os dados globais sobre refugiados. Jordânia, Turquia, Paquistão, Líbano, África do Sul e os territórios palestinos ocupados abrigam mais de 50% dos refugiados e candidatos a asilo do mundo, segundo relatório recente da Oxfam, embora representem menos de 2% da economia mundial.

Mesmo em crise, o Brasil é bem mais rico do que qualquer desses países, com a possível exceção da Turquia, se se considerar a renda per capita. Poderia, portanto, assumir compromissos mais sólidos e menos retóricos do que os anunciados no discurso do presidente nas Nações Unidas.

Obama, por exemplo, disse que os Estados Unidos estão dispostos a acolher 110 mil refugiados no próximo ano, 60% mais do que o número deste ano. É insuficiente, julgam as entidades humanitárias internacionais, ainda mais quando se sabe que os países ricos (EUA, China, Japão, Alemanha, França e Reino Unido) abrigam apenas 8,88% dos refugiados/candidatos a asilo, sempre segundo a Oxfam, embora somem mais da metade da economia mundial.

Mas é o que um presidente em fim de mandato, acossado por um candidato virulentamente anti-imigração, pode prometer.

Nos outros países ricos (exceto a China, que, por ser ditadura, não permite o florescimento de críticos à esquerda ou à direita), também há uma ebulição forte contra a imigração. Já no Brasil, os preconceitos são de outra natureza, o que torna inaceitável o "forfait" de Temer.


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