Folha de S. Paulo


Trump com o dedo no gatilho

Veio do governador de Connecticut, o democrata Dan Malloy, a reação mais significativa a respeito do enorme perigo que representam as declarações do candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, sugerindo que, talvez, o pessoal da Segunda Emenda (a que garante o direito ao uso de armas) poderia evitar que sua adversária, Hillary Clinton, a derrubasse.

Malloy disse à rede MSNBC: "Pensei instantaneamente a respeito de [o primeiro-ministro Yitzhak] Rabin em Israel. Havia comícios em Israel em que se gritava 'morte a Rabin', e os políticos se omitiam".

Spencer Platt - 18.jul.2016/Getty Images/AFP
Apoiador de Donald Trump carrega arma longa em manifestação na Convenção Republicana, em julho
Apoiador de Donald Trump carrega arma longa em manifestação na Convenção Republicana, em julho

Rabin, o primeiro-ministro que arquitetara os acordos de Oslo, que quase trouxeram a paz entre Israel e palestinos, foi assassinado, em 1995, por um extremista judeu.

A comparação é válida. Eu mesmo ouvi de Leah Rabin, a viúva, acusações contra os políticos do Likud, o partido então mais à direita em Israel, que ela culpava por discursos que fomentaram o ambiente de ódio que armou a mão de Ygal Amir, o extremista que matou seu marido.

Ao jornal americano "Los Angeles Times", Leah disse que "seguramente eu os culpo. Se você tivesse ouvido seus discursos, compreenderia o que quero dizer" (Leah morreu no ano 2000).

Por muito que considere Trump um tremendo perigo para os Estados Unidos e o mundo, não posso acreditar que ele tenha realmente sugerido disparar sobre Hillary.

O problema é a facilidade com que os norte-americanos puxam o gatilho. "Já tivemos assassinatos demais. Já tivemos mortes demais e temos que rejeitar isso [as palavras de Trump]", como diz Malloy.

Não custa lembrar que, sem incitações abertas ou veladas, cinco presidentes americanos já foram alvejados. Quatro morreram (Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Fitzgerald Kennedy ) e um ficou ferido (Ronald Reagan ).

Para não mencionar os incontáveis episódios de assassinatos em massa praticados por adeptos incondicionais da Segunda Emenda.

Lucia Graves, colunista do jornal britânico "The Guardian" nos Estados Unidos, recorreu a Gabrielle Giffords, deputada do Arizona que sobreviveu, gravemente ferida, a um desses episódios, para ilustrar o risco de declarações como a de Trump.

"Indivíduos responsáveis e estáveis não levarão a retórica de Trump ao pé da letra, mas suas palavras podem fornecer inspiração ou permissão para aqueles inclinados a derramar sangue".

A recomendação, sensata, de Giffords: "Estabelecer uma brilhante luz vermelha entre discurso político e sugestões de violência".

Mesmo que Trump não tenha pretendido sugerir assassinar Hillary, permanece o fato de que ele mentiu descaradamente ao dizer que sua adversária pretende derrubar a Segunda Emenda.

Lembra o jornal americano "The Washington Post": "Clinton jamais disse que quer eliminar a Segunda Emenda. Mesmo que tivesse dito, nem o presidente nem a Suprema Corte nem juízes federais de nível inferior têm o poder para fazê-lo. Há dois caminhos para alterar a Constituição. Um requer 2/3 dos votos do Congresso e, então, aprovação por 3/4 dos Legislativos estaduais. A outra requer a convocação de uma constituinte e, de novo, aprovação por 3/4 dos Estados".

Tudo somado, está mais que claro que Trump é um perigo.


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