Folha de S. Paulo


O arco-íris e o islã

Há um escaninho que só agora começa a ser explorado na catarata de perplexidade gerada pelo atentado homofóbico (e terrorista?) praticado em Orlando.

É o ângulo levantado, com consistência, por David Shariatmadari no "Guardian": a da possível homossexualidade de Omar Mateen, o assassino, homossexualidade sufocada e reprimida pelas interpretações do islã predominantemente homofóbicas.

Escreve Shariatmadari: "O que dizer das poderosas forças da sexualidade? Da vergonha, do pertencimento, do desejo de arruinar aquilo que você sente que não pode ter ""algumas das mais poderosas forças que a psique contém?"

Ou, em outras palavras, o assassino matou o prazer que gostaria de compartilhar, mas não se sentia autorizado pela prisão virtual imposta pela religião.

O que dá consistência à hipótese são alguns detalhes que emergem do perfil de Mateen e que vão além do fato de ser muçulmano e de seu pai tê-lo retratado homofóbico, os dois primeiros elementos considerados na tragédia.

Primeiro detalhe: Ty Smith, frequentador regular da boate "Pulse", contou ao jornal "Orlando Sentinel" que cruzou com Mateen umas doze vezes no local. Estaria mapeando a boate para posteriormente atacá-la?

É sempre possível, mas é uma hipótese que se enfraquece quando se sabe que o futuro assassino ficou bêbado mais de uma vez, estado em que o mapeamento de qualquer local fica, obviamente, muito prejudicado ou até inutilizado.

De mais a mais, ficar bêbado não combina com o que se espera de um soldado do islã radical, como Mateen alegou ser. Aliás, tampouco combina com esse perfil o fato de ele ter se gabado, aos colegas de trabalho, de vinculações tanto ao Hizbullah libanês como à Al Qaeda, grupos absolutamente antagônicos.

Segundo detalhe: Maleen era usuário do aplicativo de encontros gays Jack'd, considerado o que mais cresce "para rapazes procurando encontros com rapazes".

Usou-o para contatos, por exemplo, com Kevin West, outro frequentador regular da boate Pulse.

Tudo somado, portanto, há mais lógica em desconfiar de um homem que não conseguiu sair do armário e resolveu matar frequentadores de um local que ele conhecia do que de um radical islâmico.

Ainda assim, não há como deixar de apontar o dedo para o islã e para sua dificuldade em lidar com a questão da sexualidade (e, claro, do terrorismo).

É o que faz, por exemplo, Bilal Qureshi, ex-editor e produtor da National Public Radio, em artigo para o "The New York Times".

Primeiro, ele faz a indispensável ressalva de que "nenhuma religião tem o monopólio da homofobia".

Depois, acrescenta: "Mas, para os muçulmanos, este é também um momento para refletir mais profundamente sobre como nos sentimos a respeito de viver em um país no qual os direitos dos gays são centrais, no qual a igualdade de casamentos é real e a coexistência é o único caminho à frente".

De fato, suspeito que não adiantam sermões de ocidentais sobre cultura muçulmana. Eles próprios têm de acertar o passo com o mundo moderno.


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