Folha de S. Paulo


O ambiente para Temer não mudou

Algo me diz que o presidente interino, Michel Temer, errou no tempo verbal em uma das frases que pronunciou na terça-feira, 24.

Disse Temer, para demonstrar que é um presidente forte (ainda que interino): "Fui secretário de Segurança Pública duas vezes em São Paulo e tratava com bandidos.

Pedro Ladeira/Folhapress
Brasilia, DF, Brasil, 25/05/2016: Presidente interino Michel Temer acompanhado do ministro Jose Serra (MRE) durante cerimonia de apresentacao de credenciais de embaixadores, no palacio do planalto. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente interino, Michel Temer, durante cerimônia com embaixadores no Palácio do Planalto

Tratava, não, cara pálida. Trata ainda, a julgar pelo currículo (ou folha corrida?) do líder do governo na Câmara, o deputado André Moura (PSC-CE): réu em três ações penais no STF, investigado em três inquéritos —um deles sobre tentativa de homicídio— e condenado por improbidade administrativa.

Longe de mim concordar com a sabedoria popular que diz que "todo político é ladrão". Mas meu prestígio junto à família e aos amigos sempre fica profundamente ferido quando tento defender a tese —o que, aliás, faço sempre— de que toda generalização é injusta e, portanto, nem todo político é ladrão.

O problema é que os políticos não me ajudam: podem não ser os bandidos com os quais Temer tratava como secretário de Segurança Pública, mas uma fatia importante deles cai, facilmente, na categoria de criminosos de colarinho branco. Afinal, 60% dos congressistas têm algum tipo de acusação/suspeita pairando sobre seus colarinhos, conforme dados da Transparência Internacional.

Em sendo assim, qual a surpresa com a gravação em que o senador Romero Jucá, efêmero ministro do Planejamento de Temer, aparece defendendo a decapitação de Dilma Rousseff como a melhor forma de parar a Lava Jato?

Afinal, como escreveu para o site da Folha esse excelente repórter/analista que é Igor Gielow, "os diálogos com [Sérgio] Machado, revelados pela Folha nesta segunda (23), são estarrecedores, como de resto são praticamente todas as conversas entre políticos sem a presença ostensiva de um gravador".

Pois é. O apodrecimento do mundo político, que já apontei na coluna publicada no dia em que a Câmara aprovou o encaminhamento do impeachment ao Senado, faz com que a Operação Lava Jato paire como um fantasma tanto sobre a base política do governo anterior como sobre a atual —de resto, parecida.

O que surpreende é menos o estarrecedor diálogo de Jucá com Machado e mais o fato de que a Lava Jato continue firme e forte apesar de contrariar interesses poderosos.

Contraria o PT, como ficou claro pelo fato de que vários de seus quadros estão envolvidos na lama, como contraria o PMDB, o novo/velho partido de governo, de que a gravação com Jucá é uma evidência definitiva e cristalina.

E, claro, contraria o empresariado, do qual ilustres representantes foram para a cadeia.

Jucá poderia ser tomado como símbolo desse mundo político apodrecido: foi líder em sucessivos governos dos últimos 20 anos. Ser líder significa que é considerado um modelo tanto por seus pares (deputados e/ou senadores) como pelos presidentes que o indicaram.

Se o modelo é esse que Jucá escancarou nas gravações, algo só pode estar podre no mundo político. A saída de Jucá do Planejamento não saneia o sistema.


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