Folha de S. Paulo


Caracas e o estranho silêncio do Brasil

Federico Parra - 17.mai.2016/AFP
Venezuelan President Nicolas Maduro reads a newspaper article during a press conference at the Miraflores presidential palace in Caracas on May 17, 2016. The army in crisis-hit Venezuela has to choose whether it is
Presidente Nicolás Maduro mostra jornal durante entrevista no Palácio Miraflores, em Caracas

A crise venezuelana está atingindo tal ponto de ruptura que três países sul-americanos (Chile, Argentina e Uruguai) romperam o tradicional respeito à teoria da não intervenção em assuntos de outras nações para emitir nota conjunta em que pedem o diálogo entre oposição e governo.

A nota conjunta das três chancelarias diz: 'Na presente hora de grave polarização que vive a República Bolivariana da Venezuela, os ministros de Relações Exteriores abaixo firmantes formulam um urgente chamado a um efetivo diálogo político e a um genuíno entendimento cívico entre todos os atores políticos e sociais dessa nação irmã".

Enquanto isso, o Brasil, cujo novo ministro de exteriores prometeu vigilância em defesa da democracia, fica quieto.

Não é a única iniciativa em busca de um diálogo entre as partes na Venezuela: o ex-presidente do governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero anunciou na véspera que governo e oposição haviam concordado em conversar, "sem pré-condições".

Zapatero está em Caracas, ouvindo as partes, em companhia de outros ex-chefes de governo, o panamenho Martín Torrijos e o dominicano Leonel Fernández.

O anúncio de Zapatero parece precipitado: a Mesa de Unidade Democrática, a coligação oposicionista, já se antecipou a qualquer convite dizendo que diálogo "é o referendo revogatório".

Ou, posto de forma clara: a única forma de dialogar com o governo de Nicolás Maduro é este aceitar que tramite regularmente o processo de convocação de um referendo em que o eleitorado decidiria se Maduro fica até o fim do mandato em 2019 ou é afastado e uma nova eleição é convocada, caso a consulta e a saída de Maduro ocorram até janeiro de 2017 —depois disso, pela lei venezuelana, assumiria o vice, Aristóbulo Istúriz.

Não é apenas a oposição que vê no referendo a única solução para a tremenda crise venezuelana. Segundo o jornal espanhol "El País", o general da reserva Clí­ver Al­ca­lá Cordones, chavista histórico, defendeu publicamente a consulta popular, depois de criticar Maduro por "desperdiçar a herança de [Hugo] Chávez".

Tanto "El País" como o também espanhol "ABC" relatam insatisfação crescente entre setores militares e dão outros nomes, todos da reserva, críticos do governo. É razoável supor que, se nomes importantes do chavismo entre os militares retirados estão se manifestando criticamente, é porque oficiais da ativa também estão insatisfeitos.

Some-se a esse cenário conturbado uma crise econômica sem precedentes e se torna ainda mais estranho o silêncio do Brasil, que seria naturalmente prejudicado por uma explosão de qualquer natureza em um vizinho e, ainda por cima, sócio no Mercosul.

É bom lembrar que o antecessor de Serra, o embaixador Mauro Vieira, envolveu-se pessoalmente em uma gestão pelo diálogo na Venezuela que até conseguiu avançar alguns passos para logo cair no esquecimento.

É razoável supor de toda forma que o diálogo agora pedido não irá muito longe também, até porque um aliado antigo de Maduro, o ex-presidente uruguaio José Mujica, acaba de declarar que o venezuelano "está louco como uma cabra".

É difícil dialogar quando um dos interlocutores dá essa sensação de total descontrole até a antigos amigos.


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