Folha de S. Paulo


Trump não é um ET

Mary Altaffer/Associated Press
O virtual candidato republicano à Casa Branca Donald Trump discursa após a vitória em Indiana na terça
O virtual candidato republicano à Casa Branca Donald Trump discursa após a vitória em Indiana na terça

Anna Virginia Balloussier, a ativíssima correspondente da Folha em Nova York, conta, no Facebook, que soube da vitória de Donald Trump nas primárias de Indiana no táxi de Shakia ("quase a cantora, com menos bunda, letra e talento", na descrição de Anna).

A taxista chegou a pedir desculpas por não conseguir explicar por que seu país poderia eleger "um dos três piores homens que já pisaram na Terra" (sendo Adolf Hitler e o ex-marido de Shakia os outros dois).

É um certo exagero. Eu mesmo seria capaz de listar uns quantos mais, só pondo brasileiros na lista.

Mas, exagero à parte, é uma avaliação que demonstra o quanto Donald Trump se tornou um perigo real e claro para o planeta, agora que é praticamente o candidato do Partido Republicano.

É verdade que ainda falta a etapa mais decisiva, que é a batalha contra Hillary Clinton, virtual candidata democrata.

Há até quem veja problemas tremendos para Trump, caso de Nate Cohn, guru da análise de números para o "New York Times".

Cohn põe ciência ou quase isso na frase da taxista Shakia: "O maior problema de Trump é que ele seria o indicado mais impopular entre os grande partidos na era moderna, com quase dois terços dizendo que têm opinião desfavorável em relação a ele".

Completa Cohn: "Mais da metade o vê 'muito desfavoravelmente' ou diz que tem medo de sua candidatura —números que não têm precedente entre modernos designados para disputar a Presidência".

Entra na roda Edward Luce ("Financial Times") para dizer que, "pela primeira vez na história moderna, um dos dois partidos vai designar uma pessoa que se opõe explicitamente à globalização e ao livre comércio".

Dá uma certa sensação de que um ET intrometeu-se na campanha eleitoral norte-americana e arrancou o direito de ser candidato contra a opinião da maioria.

Seria um total contrassenso se isso fosse verdade.

Aí, de duas uma: ou o povo republicano, ao contrário da elite partidária (contrária a Trump), vive em um mundo completamente diferente do habitado pelos democratas e pelos independentes (os que temem o bilionário) ou ele de fato "tocou uma corda", como chegou a dizer John Kasich, o último a desistir da candidatura à Casa Branca entre os adversários de Trump.

Essa dúvida (deve haver outras que não cabem por enquanto neste espaço) só será desfeita pela votação de novembro. Se Hillary Clinton ganhar com alguma folga, ficará demonstrado que Trump é apenas o ídolo de um gueto de deslocados do mundo moderno.

Se, no entanto, for vitorioso ou perder por pouco, estará claro que a tal de globalização de fato não funciona para uma parcela importante dos norte-americanos.

Como os Estados Unidos são grandes beneficiários desse inexorável fenômeno, é razoável supor que, em outros países, esse mal-estar seja ainda mais forte.

O remédio que Trump insinua para os males, supostos ou reais, da globalização é "América Primeiro". Se realmente tentar adotá-lo, deslocará até parceiros o que tende a gerar Trumps mundo afora. A taxista Shakia terá mais nomes para sua lista de piores do mundo.


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