Folha de S. Paulo


Foi bom mas foi pouco, Obama

Do presidente Barack Obama, ao visitar o Parque de la Memoria, homenagem às vítimas do terrorismo de Estado que infernizou a vida dos argentinos na ditadura do período 1976-83: "Não podemos esquecer o passado, mas quando encontramos coragem para enfrentá-lo, então é quando nós construímos um futuro melhor".

De acordo, caro presidente, mas, por esse metro, foi tímida demais sua autocrítica sobre a atuação dos Estados Unidos na América Latina.

Para Obama, o que houve a lamentar, no caso específico da Argentina, foi a demora em se manifestar a respeito das violações aos direitos humanos.

Não, presidente, foi muito pior. Os Estados Unidos apoiaram e até incentivaram um golpe de Estado quando todos sabiam que seria abrir as portas do inferno, dando luz verde para o massacre que havia se iniciado mesmo no governo constitucional de Isabelita Perón (1974-76).

E a Argentina foi apenas o mais recente elo numa cadeia de intervenções na América Latina que só trouxeram desgraças. Começou na Guatemala (1954), com a deposição do coronel Jacobo Arbenz.

A "bananera" Chiquita chamou os "marines" para preservar seus negócios -do que deriva o nome de "república bananeira" para países centro-americanos.

(Hoje, a Odebrechet, para preservar seus negócios, já não chama os "marines" mas compra políticos. De uma forma ou de outra, são cenas explícitas de capitalismo selvagem).

O golpe na Guatemala levou a uma sucessão de ditaduras e, estas, a uma guerra civil. No Brasil (1964) e no Chile (1973), para citar apenas dois exemplos de intervencionismo norte-americano, vieram também longas ditaduras -e violações em massa aos direitos humanos.

É justo ressalvar, como o fez Obama, que o presidente Jimmy Carter (1977-81), ao contrário de seus antecessores, interveio em favor dos direitos humanos, inclusive no Brasil, e com algum sucesso.

Tudo somado, é correta a afirmação de Obama de que o passado dos EUA no subcontinente abriga "momentos de glória e outros que foram contrários ao que creio deve representar a América". É positiva, por sua vez, sua atitude em relação a Cuba, ao dizer que cabe aos cubanos decidir o que querem. Ou seja, já não é missão dos Estados Unidos levar a democracia, na marra, a países sob regimes autoritários.

O problema é que, com Donald Trump na bica para se tornar pelo menos candidato presidencial pelo Partido Republicano, torna-se temerário imaginar que a, digamos, "doutrina Obama" será uma característica permanente da diplomacia norte-americana.

Resta torcer para que esteja certo o analista uruguaio Nicolau Albertoni Gómez (Georgetown University) em seu texto para o sítio "Latin America Goes Global": "A principal conclusão a que parece chegar Washington é que resulta muito mais conveniente diplomática e economicamente empoderar a sociedade civil de um país", compreendendo que "o mundo real não era o que lhe haviam contado uns senhores vestidos de verde que calçavam botas negras", em referência aos militares.

Que assim seja.


Endereço da página: