Folha de S. Paulo


Classe média dos EUA encolhe. E se radicaliza?

Era 1977, ano em que o formidável "boom" dos anos Clinton tornava o modelo liberal norte-americano a inveja do planeta.

Aí, em Davos perguntaram a John Sweeney, o líder das grandes confederações sindicais norte-americanas, se o modelo era exportável.

"Não", respondeu ele. E emendou: "É tóxico".

E listou as três razões pelas quais os EUA eram um sucesso:

1 - "Um mercado unificado e aberto de mais de 250 milhões de pessoas, ancorado em uma classe média grande, espalhado por um continente com abundantes recursos naturais".

2 - "Uma moeda com um papel global único, incluindo o fato de que o preço do petróleo é em dólar".

3 - "Uma força de trabalho bem educada e bem treinada, em que um em cada quatro trabalhadores tem educação superior, reforçada, a cada geração, com novos imigrantes dispostos a trabalho duro".

Se essa análise é correta, então os Estados Unidos estão a pique de perder a primeira das causas de êxito: sua classe média está encolhendo.

Pesquisa que o Centro Pew divulgou na quinta-feira, 10, mostra que pela primeira vez há mais norte-americanos nos extremos (pobres ou ricos) do que na classe média: são 120,8 milhões de adultos em residências de classe média (50% do total, contra 61% 1971). Em lares de renda baixa e alta vivem, na soma, 121,3 milhões de adultos.

Roberto Schimdt/AFP
RG XMIT: 194601_1.tif Sem-teto se alimenta graças a rede de assistência criada em Miami, EUA. TO GO WITH STORY EEUU-POBREZA BY RANDY NIEVESJonathan, a homeless man who says has been living in the streets for 16 years, serves himself a plate of cooked greens near a makeshift kitchen they call the
Sem-teto que recebe alimentação de rede de assistência criada em Miami

Claro que há mais adultos pobres do que ricos, mas a diferença não é tão grande quanto, por exemplo, no Brasil: são 12% os adultos de renda média, mas superior à da classe média mais 9% de realmente ricos.

No parte de baixo da pirâmide, 20% são pobres (renda de fato baixa) e 9% os de classe média baixa. Tem-se, portanto, 21% no topo da pirâmide, 29% abaixo da classe média e 50% no meio dos dois.

O estudo do Pew tem uma catarata de número que não dá para resumir aqui. Está em pewsocialtrends.org.

Aqui, me interessa mais especular sobre as consequências políticas do encolhimento da classe média. O Centro Pew não transita por esse território, o que me obriga a alinhavar apenas hipóteses.

A primeira delas: a radicalização dos últimos anos na política norte-americana talvez esteja ligada a esse crescimento dos extremos, especialmente o mais rico.

Uma outra pesquisa (NBC/"The Wall Street Journal") mostra, por exemplo, que, em 1990, eram apenas 12% os republicanos que se diziam "muito conservadores". Em 2015, a porcentagem mais que dobrara (para 28%).

Entre os democratas, deu-se o fenômeno inverso: os muito liberais (o máximo de esquerda que se permitem os americanos) passaram de 13% para 26%.

É significativo que em conceitos políticos tenha se dado crescimento dos extremos tal como ocorreu com a renda.

Pergunta: a classe média não estaria se radicalizando, em um sentido ou outro, em função das perdas que está sofrendo?

Afinal, a pesquisa Pew mostra que a fatia que cabe à classe média no bolo da renda caiu de 62% em 1970 para 43% em 2014.

Talvez por aí se entenda como um cidadão tosco como Donald Trump consegue liderar as pesquisas entre os republicanos (rico tende a ser conservador e, alguns, até reacionários).

Pena que no Brasil, em que a classe média cresceu, em vez de encolher, não haja dados para ilações políticas.


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