Folha de S. Paulo


Uma Paris todos os dias

Em "Cadernos de Política Exterior", publicação semestral de fundação ligada ao Itamaraty, Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão Independente Internacional de Investigação sobre a Síria, faz um relato aterrador das condições de vida nos territórios conquistados pelo Estado Islâmico.

Trecho: "O EI continua a cometer violações generalizadas contra a população civil, com impunidade. O grupo terrorista tem realizado execuções públicas, às vezes usando crianças como seus carrascos, em todo o território que controla. (...) O EI detém mais de mil mulheres e meninas da minoria yazidi em escravidão sexual. Vendidas e revendidas, meninas de até nove anos são submetidas a estupros e espancamentos repetidos".

Mais: "O grupo terrorista lançou vídeos mostrando um pelotão de fuzilamento formado por crianças executando homens capturados em Palmira, bem como um vídeo de uma criança de dez anos cortando a garganta de um soldado capturado em Homs".

É o retrato, bem piorado, de uma Paris todos os dias, de violências praticadas contra uma população de 250 mil pessoas tomada como refém.

No entanto, foi só depois que o Estado Islâmico atacou a capital francesa que as Nações Unidas resolveram aprovar resolução em que solicitam aos Estados-membros que combatam a facção terrorista.

Tudo a favor da resolução, tudo a favor da solidariedade às vitimas francesas (ou russas ou tunisianas ou libanesas). Mas tudo contra a omissão que permitiu a instalação, primeiro, e a manutenção, depois, de um grupo bárbaro no comando de um vasto território repartido entre o Iraque e a Síria.

Agora não há saída fácil, nem militar nem política.

O centro Carnegie Europe fez uma tomada de opiniões a respeito de se a Europa –a que mais se está mobilizando após Paris– seria capaz de derrotar o EI.

Nenhum dos especialistas consultados acredita que só ataques aéreos resolvam.

Andrew Michta (Colégio de Guerra Naval dos EUA) põe o acento no que todo mundo evita:

"Qualquer estratégia que objetive derrotar o EI tem que incluir uma campanha terrestre para destruir o santuário que os islamistas estabeleceram na Síria e no Iraque".

Nem a França, ferida, nem os Estados Unidos, escaldados pela confusão que ajudaram a armar na região, nem a Rússia, de ímpetos imperialistas renascidos com Putin –ninguém, enfim, aceita o remédio de Michta.

Concorde-se ou não com a timidez, ela é compreensível: a esmagadora maioria dos especialistas diz que, sem estabilizar a Síria, em guerra civil há quatro anos, não há como combater eficazmente o Estado Islâmico.

O problema é que estabilizar a Síria implica aceitar o ditador Bashar al-Assad, cuja violência repressiva está na origem da guerra civil.

Até a França, que exigia Assad fora do jogo, agora diz, por seu chanceler, Laurent Fabius, que "forças no terreno, que não podem ser as nossas, devem ser as forças do Exército Livre Sírio [de oposição], forças árabes sunitas [como o EI] e, por que não?, forças do regime".

Tudo somado, tem-se que a Síria morreu para nada.


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