Folha de S. Paulo


Os 'lobos' voltam ao ataque

L'Osservatore Romano, o órgão oficial da Santa Sé, ousou afirmar, durante o pontificado de Bento 16, que ele era um "pastor cercado de lobos".

Não demorou muito para que o pastor renunciasse, ao que tudo indica incapaz de resistir ao apetite dos "lobos", incrustados na Cúria Romana, embora a alegação oficial fosse de uma saúde frágil demais para suportar o peso do posto.

Agora, pouco mais de dois anos depois da renúncia de Bento 16 e da ascensão de Francisco, o jornalista Gianluigi Nuzzi diz ao "Monde" que "os inimigos de Francisco são os mesmos de Bento 16".

Nuzzi trabalha há sete anos com assuntos do Vaticano, o que lhe rendeu ser o depositário de um vazamento de documentos reservados, o chamado "Vatileaks", que esteve na origem da renúncia de Bento 16.

Ele acha natural, nessas circunstâncias, que fosse também o depositário de novos vazamentos, estes como os anteriores saídos das entranhas do pequeno Estado incrustado na Itália.

Nuzzi está lançando um segundo livro, "Via Crúcis", no qual expõe o tremendo enrosco das finanças do Vaticano, mais enroladas do que as do Brasil.

Expõe também o que chama de "jogo duplo e até triplo", envolvendo, diz Nuzzi, "de um lado o papa e os peritos leigos de que ele se cercou para reformar a Igreja e, de outro, o sistema da Cúria que se opõe a Francisco por meios legais, como a inércia, e meios ilegais, como os roubos [de documentos] ou a intimidação".

Tanto Nuzzi como outro jornalista, Emiliano Fittipaldi, revelaram extravagâncias dos "curiali", como são chamados os cardeais da Cúria, assim descritas pelo jornal "El País":

"Há uma lista de luxuosos apartamentos, alguns de 500 metros quadrados, de que desfrutam alguns cardeais da Cúria; os € 4 bilhões que representam, calculando por baixo e só em Roma e arredores, as propriedades imobiliárias do Vaticano; o desvio de fundos do hospital do Menino Jesus para que monsenhor Tarcisio Bertone [secretário de Estado com Bento 16, substituído por Francisco] reformasse seu imóvel ou viajasse de helicóptero; o descontrole das lojas livres de impostos ou do posto de gasolina do Vaticano, (aos quais só deveriam ter acesso os empregados da Santa Sé mas dos quais se beneficia meia Roma); os postuladores que cobram a peso de ouro as candidaturas a santo" e por aí vai.

Fittipaldi conta que há casos em que parentes dos indicados a santos ou beatos pagam até € 400 mil (R$ 1,6 milhões) aos que apresentam a postulação à Santa Sé.

O novo escândalo me faz lembrar palavras de Juan Arias, correspondente de "El País" no Brasil, um dos melhores vaticanistas de todos os tempos e que conheceu sete papas. Em debate no Rio, há dois anos, Arias disse temer pela vida de Francisco, exatamente pelas guerras internas que Nuzzi agora relata.

Fiquei perplexo, mas o jornalista italiano atribui a essa guerra o boato recente de que Francisco tinha um tumor no cérebro. Uma maneira torpe de "matá-lo" pela intriga.


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