Folha de S. Paulo


Colômbia, entre a paz e a justiça

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, teve a coragem de desafiar a sabedoria convencional e chegar a um acordo abrangente com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), anunciado na quarta-feira (23).

Não é o caso de entrar nos detalhes do acordo, alguns dos quais merecem críticas que podem até ser muito duras.

O realmente relevante é aceitar que não havia alternativa para a pacificação da Colômbia que não fossem negociações de paz com a guerrilha. Foi o que o presidente Santos tomou como regra de ouro, desde o momento em que assumiu seu primeiro mandato, em agosto de 2010.

Afinal, uma guerra de quase 60 anos de duração deixara 220 mil mortos, dos quais 176 mil não combatentes, 25 mil desaparecidos, 27 mil sequestrados e 6 milhões de "desplazados" (obrigados a deixar suas casas, número que supera os 4 milhões de refugiados da guerra na Síria. Não estou comparando as duas situações, apenas dando um número que sirva de alguma referência).

Alejandro Ernesto - 23.set.2015/Efe
Com Raúl Castro ao centro, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e Rodrigo Londoño (Timochenko), se dão a mão em Havana
Com Raúl Castro ao centro, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder das Farc, Rodrigo Londoño (Timochenko), se dão a mão em reunião em Havana

A Colômbia estava farta da violência, que engolia vorazmente o prestígio dos presidentes que se sucederam no poder nesses 60 anos e, ora negociavam, ora aceitavam o status quo.

O único que manteve o prestígio elevado foi justamente o que adotou "mano dura", Álvaro Uribe, aliás com o inestimável auxílio do próprio Santos, seu ministro de
Defesa.

Sentar-se à mesa com o inimigo odiado por uma fatia substancial da população era, portanto, meio caminho andado para o suicídio político.

Tanto que, ao tentar a reeleição no ano passado, Santos teve apenas 25% dos votos no primeiro turno, perdendo para o "uribista" Óscar Zuluaga (29%).

Só ganhou no segundo turno, assim mesmo com apenas um ponto percentual acima da maioria absoluta, porque metade da sociedade chegara à mesma conclusão que ele: não havia como ganhar a guerra militarmente e, portanto, só restava a alternativa de negociar.

O acordo alcançado em Havana na quarta-feira dá razão a Santos, mas está longe de assegurar-lhe popularidade.

José Miguel Vivanco, por exemplo, diretor para as Américas da respeitada Human Rights Watch, faz, como inúmeros outros, restrições ao pedaço do acordo que implica virtual anistia aos guerrilheiros que cometeram crimes de lesa-humanidade (benefício que se estende aos paramilitares que combateram as Farc e, como elas, também se mesclaram ao narcotráfico).

Desde que assumam seus crimes, os guerrilheiros não ficarão presos, mas isolados em uma área determinada.

Por isso Vivanco duvida de que o acordo de Havana seja o fim da história.

Ele pode ter razão, mas, do meu ponto de vista, não havia alternativa: a guerrilha jamais negociaria se soubesse que, ao fim do processo, seus líderes poderiam ir para a cadeia.

Santos, portanto, fez a dificílima escolha entre a paz ou a justiça. Se alcançar a primeira, poderá ser perdoado pela omissão da segunda.


Endereço da página: