Folha de S. Paulo


A crise, vista de Washington

Vista de Washington, a crise brasileira é tão confusa quanto é para os brasileiros e acaba funcionando como uma distração para o desafio de produzir resultados em uma relação bilateral que está no melhor nível em muitos anos, com ou sem crise.

Depois do esfriamento gerado pelo episódio de espionagem, a visita da presidente Dilma Rousseff aos EUA, em junho, levou o relacionamento a um ponto mais "sofisticado", na avaliação do Departamento de Estado.

Exemplo de sofisticação, entre outros: dois acordos na sensível área militar que permitirão a troca de informações e avanços tecnológicos entre os dois países.

A crise, como toda crise, abre também oportunidades.

Na área de infraestrutura, o Brasil tem explorado a possibilidade de atrair construtoras norte-americanas, empresas que, até recentemente, eram refratárias.

É razoável supor que as dificuldades das grandes empreiteiras brasileiras, enredadas na Lava Jato, tenham aberto o caminho para congêneres norte-americanas.

Poderiam entrar, por exemplo, em consórcios com empresas nacionais para a construção e operação de aeroportos regionais.

Na área comercial, a que mais facilmente permite medir avanços, o ministro Armando Monteiro está ansioso para colocar em prática a promessa de Dilma de dobrar o comércio com os EUA em dez anos.

Os Estados Unidos já são o maior destino para exportações brasileiras de manufaturados, obviamente as de maior valor agregado, mas Monteiro explora acordos em áreas que não interfiram com tarifas, o que exigiria negociações complexas e, por isso, demoradas.

Washington e Brasília estão explorando acordos em áreas como regulação e redução da burocracia alfandegária, que produzem resultados mais rapidamente.

Há pouco, os dois países reuniram especialistas de parte a parte para discutir direitos humanos, tema que inevitavelmente subiu na agenda ante a crise dos refugiados na Europa e, mais recentemente, o deslocamento forçado de colombianos que moravam na Venezuela.

A reunião é significativa não apenas pelo tema em si, naturalmente delicado, mas pelo fato de que os Estados Unidos incluem o Brasil em uma discussão que tem abrangência global, não apenas regional.

É a reafirmação, no detalhe, de uma parceria estratégica, como os dois países tratam o relacionamento bilateral.

Tão estratégica que os Estados Unidos usam o caso brasileiro com Cuba, ao apontar o Brasil como exemplo de que é possível promover avanços sociais na democracia e com mecanismos de mercado.

Outro ponto estratégico é o papel dos estudantes brasileiros enviados aos EUA no âmbito do Ciências sem Fronteiras, hoje na altura recorde de 33 mil.

Dizem reitores de universidades norte-americanos que os brasileiros energizam as relações nos locais em que estudam.

Ah, estão também sendo convidados pelas corporações norte-americanas para complementar os estudos com estágios nas suas áreas de especialização.

O risco, acho eu, é que, com a crise, não queiram mais voltar. Aí, sim, seria uma grave "distração" no relacionamento.


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