Folha de S. Paulo


Cuba, a bandeira e o capitalismo

Tive o privilégio (inútil, mas privilégio em todo o caso) de ver antes de todo o mundo, exceto um punhado de cubanos, a bandeira norte-americana exibida em Havana, o que se tornará rotineiro em breve, com a reabertura das embaixadas, oficialmente anunciada nesta quarta-feira, 1º de julho.

Foi em 1977, quando o senador George McGovern (1922/2012), um democrata crítico do isolamento imposto a Cuba, resolveu mandar à ilha uma equipe norte-americana de basquete universitário para uma partida amistosa.

Fui olhar, porque supunha-se à época que se reproduziria, com o basquete, a chamada "diplomacia do pingue-pongue", precursora do restabelecimento de relações entre a China e os Estados Unidos.

Pelo que vi no ginásio, era uma suposição razoável. Não havia animosidade em relação às listras e estrelas da bandeira norte-americana.

Na plateia até estava um revolucionário relevante, chamado Ramiro Valdés, que, aliás, continua na primeira linha da nomenclatura cubana.

O que choca é que tenham se passado 38 anos para que outro democrata como McGovern, no caso um certo Barack Obama, descobrisse o óbvio: o embargo não funcionou.

Dá até para dizer que, desse ponto de vista, a revolução triunfou. Os Estados Unidos arriaram a bandeira em Havana por ordem do presidente Dwight Einsenhower, em 1961, e vão içá-la de novo 54 anos e 10 presidentes depois, sem que o regime tenha mudado, ao contrário do que pretendia Washington.

Até recentemente, permanecia não só o regime, mas o seu fascínio: "O mito cubano efetivamente existiu na França, [onde] os intelectuais de esquerda tinham a impressão de que Cuba oferecia uma solução à espinhosa equação entre o socialismo e a liberdade", escreveu para o "Figaro" Pierre Rigoulot, diretor da revista "História e Liberdade", em frase que vale para intelectuais de outros países.

O irônico na história toda é que a bandeira dos EUA foi precedida em Havana por um incipiente capitalismo, que é a segunda bandeira norte-americana.

Hoje, 500 mil cubanos —ou 10% da força de trabalho— vivem de negócios privados, de resto em condições melhores do que os dependentes do setor estatal.

Estes continuam presos à "libreta" de racionamento e dependem das remessas de parentes que vivem no exterior, basicamente nos Estados Unidos.

É óbvio que o presidente Obama aposta no poder de atração do "American way of life", que estará agora mais exposto em Cuba.

Foi o que ele próprio admitiu implicitamente ao anunciar a reabertura de embaixadas: "Ninguém espera que Cuba se transforme da noite para o dia. Mas eu acredito que o engajamento americano —por meio de nossa embaixada, nossos negócios e, acima de tudo, nosso povo —é o melhor caminho para fazer avançar nossos interesses e respaldar a democracia e os direitos humanos".

Posto de outra forma: o que nem o embargo nem o basquete conseguiram, talvez venha agora com o reatamento.

Venha ou não, Cuba e os Estados Unidos viverão melhor com suas bandeiras içadas nas respectivas capitais.


Endereço da página:

Links no texto: