Folha de S. Paulo


Cristina inventa o seu "Dilmo"

Assim como Luiz Inácio Lula da Silva inventou a candidatura de Dilma Rousseff, a presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner tirou da bolsa o seu próprio "Dilmo".

Chama-se Carlos Zannini e leva o apelido de "El Chino", pelos olhos puxados e por ter se iniciado na militância estudantil na Vanguarda Comunista, pequeno grupo maoísta logo exterminado na convulsa política argentina.

É secretário legal e técnico da Presidência desde 2003, ou seja, desde que o presidente era Néstor, o marido de Cristina. Mas a ligação do "Chino" com os Kirchner vem de bem mais longe, exatamente dos tempos em que ambos mandavam na remota província de Santa Cruz.

A diferença entre Dilma e Zannini é simples: Cristina indicou-o como candidato não à Presidência, mas para ser o companheiro de chapa de Daniel Scioli, o virtual candidato do peronismo.

Por que vice e não cabeça de chapa? Igualmente simples: a legislação argentina impõe a participação em uma eleição primária para todo partido/coligação que pretenda disputar um pleito majoritário.

No peronismo (ou, mais exatamente, na Frente pela Vitória, a coligação que governa a Argentina), o candidato já posto é Scioli. Zannini perderia facilmente a primária para ele e, em sendo assim, o kirchnerismo iria abalado para a eleição de fato, em outubro.

Por isso, Cristina "kirchnerizou Scioli", como diz Artemio López, diretor da consultoria Equis, muito ouvido pela Casa Rosada.

A lógica da escolha é inteligente: por forte que seja sempre um peronista (e Scioli o é), ele até agora não desfez o empate técnico nas pesquisas com o conservador Maurício Macri, virtual candidato conservador.

"Kirchnerizado" Scioli, o lógico é supor que somar-se-ão os votos dos peronistas moderados, patrimônio de Scioli, aos votos kirchneristas, a ala mais radical do peronismo.

Se isso de fato ocorrer, Scioli ficará devendo sua vitória a Cristina, que poderia se tornar o poder nas sombras, prolongando seu reinado pela interposta pessoa de "Dilmo".

É o que imagina, por exemplo, o Barclays Bank, em um relatório reservado que vazou para o jornal matutino "Clarín": "A surpreendente inclusão de Carlos Zannini na chapa de Scioli deve ser vista como parte de uma arquitetura política da presidenta para limitar o poder de Scioli".

O jornal, inimigo número 1 do kirchnerismo, já adiantou também que Cristina pretende impor ao seu sucessor, claro que se for mesmo Scioli, a continuidade de Axel Kicillof como ministro da Economia.

Se é verdade, o paralelo com o Brasil se estenderia: Dilma manteve na Fazenda o ministro de Lula, Guido Mantega.

Neste ponto da história, cabe avaliar até que ponto Scioli se deixará controlar pela sua antecessora. Esta é uma dúvida que só o tempo poderá responder.

Meu palpite: Scioli é um político já veterano, com luz própria. Governa Buenos Aires, a principal província argentina, cargo a que só se chega com muita bala na agulha.

Por isso, com a faixa presidencial no peito, terá dificuldades em aceitar uma canga. A ver.

crossi@uol.com.br


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