Folha de S. Paulo


Os males da 'patria financiera'

Os bancos são um ingrediente-chave para as economias modernas, mas o excesso de financiamento bancário "pode atrapalhar o crescimento econômico e piorar a desigualdade de renda".

Não, não se trata de um manifesto da esquerda ou do Syriza, a coligação esquerdista que governa a Grécia e reclama todo dia da dívida do país.

Trata-se de um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) que acaba de ser divulgado.

Para quem não se lembra, a OCDE é o clubão dos 31 países mais industrializados do mundo. O Brasil, por enquanto, é só observador, embora pelo seu patamar econômico tenha direito a ser membro pleno.

São países que adotam parâmetros econômicos liberais, o que, nos tempos mais recentes, significa a hegemonia das finanças.

É, pois, significativo que a OCDE advirta sobre os males de recorrer em excesso ao endividamento bancário em prejuízo de outros tipos de financiamento, como títulos e ações.

A instituição põe até números nessa afirmação: "Um aumento do crédito bancário equivalente a 10% do PIB se traduz em um crescimento da economia 0,3 ponto percentual inferior ao que seria no caso de outra maneira [de financiamento]", revela o texto.

Diga-se que não é a primeira instituição "mainstream" do capitalismo global a apontar os riscos do que os argentinos adoram chamar de "patria financiera".

Até o Fundo Monetário Internacional, não faz muito, chamara a atenção para "a crescente evidência de que, a um certo ponto, bancos e outras instituições financeiras assumem uma fatia grande demais nas economias e acabam contribuindo mais para a instabilidade financeira do que para o crescimento econômico".

Puxemos agora o foco para o Brasil.

Um estudo de três economistas da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia mostra o seguinte: no período que vai de 1980 a 2014, com dados atualizados para os preços de janeiro de 2015, o Estado gastou R$ 861 bilhões com investimentos e R$ 3,584 trilhões com juros.

Ou, posto de outra forma, destinou quatro vezes mais para remunerar os portadores de títulos da dívida pública do que para investir em obras/serviços em um país tão tremendamente carente.

Corolário inevitável: "Para fazer frente a essa tragédia fiscal, a receita estatal tinha que aumentar na mesma velocidade e violência: passou de 24,5% do PIB, em 1980, para 37,7%, em 2014", escreveram Reginaldo Souza Santos, Elizabeth Matos Ribeiro e José Murilo Philigret Baptista.

O estudo dos economistas baianos é muito anterior aos textos da OCDE e do FMI, mas parece feito para colocar o Brasil no âmbito dos males dos excessos das finanças.

Não parece despropositado creditar parte do relativamente baixo crescimento do Brasil nos anos mais ou menos recentes à desproporção entre o pagamento dos juros e os investimentos.

Em 2014, por exemplo, o investimento foi de apenas 1% do PIB contra 5,64% dos juros.

É uma anomalia óbvia, que, no entanto, fica longe das discussões. Quem sabe agora que a OCDE tocou no assunto deixe de ser proscrito.


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