Folha de S. Paulo


Turquia, a nostalgia do sultão

O que está em jogo na eleição deste domingo (7) na Turquia é muito mais do que simplesmente definir o partido vencedor.

O que se decide, no fundo, é se a Turquia continuará a ser um dos raríssimos países de maioria muçulmana que mantêm o jogo democrático ou se, ao contrário, dará início a uma caminhada rumo a um neosultanato.

O sultão seria, naturalmente, o atual presidente, Recep Tayyip Erdogan, que fez ativa campanha para conseguir maioria no Parlamento suficiente para mudar o regime atual, de parlamentarista para presidencialista.

Não é mera coincidência o fato de que uma semana exata antes do voto, Erdogan e o primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, presidiram a cerimônia de lançamento da "Unidade da Conquista", formada por 478 homens.

Trata-se de uma brigada de cerimônia que comemorava o 526º aniversário da conquista de Constantinopla (hoje Istambul) pelos otomanos, cujos uniformes, zelosamente conservados, foram usados no ato.

Era evidente a nostalgia do Império Otomano, o Estado turco que existiu entre 1299 e 1922 e chegou a abranger parte importante até do sudeste europeu.

Erdogan diz, com frequência, que a Turquia só voltará a ser grande com uma Presidência com poderes executivos (atualmente, ela é, em tese, meramente cerimonial, embora o presidente frequentemente viole esse limite).

Para mudar a Constituição, Erdogan e seu partido AK (Partido Justiça e Desenvolvimento) necessitam obter uma maioria de 3/5 das 550 cadeiras do Parlamento (367 deputados, portanto) ou, no mínimo, 330 para poder propor um plebiscito sobre a reforma constitucional.

O desempenho prévio do AK autoriza a acreditar na vitória, mas não na obtenção de uma super-maioria. O partido ganhou todas as sete eleições de que participou desde a sua criação em 2001, três delas gerais.

Resultados que se devem a um desempenho econômico formidável, sobre o qual um número basta: a renda per capita triplicou (para mais de US$ 9.000, ou R$ 28 mil) no reinado de Erdogan.

Acontece que o milagre econômico entrou em nítida desaceleração, a ponto de o crescimento previsto para este ano ser de apenas 3,1%, o que compara muito mal com os 9,1% obtidos em 2010.

Mas, acima de tudo, pesa contra Erdogan o viés autoritário que demonstrou nos últimos dois anos pelo menos, desde a violenta repressão, em 2013, aos protestos contra construções no emblemático parque Gezi, de Istambul.

A faceta autoritária volta-se, agora, para a mídia, a ponto de o presidente ter pedido a prisão perpétua para o editor do jornal "Cumhuriyet", por ter publicado notícias sobre o fornecimento de armas turcas a grupos radicais sírios.

Há poucas dúvidas entre os analistas de que o AK fará a maioria. Não é isso que definirá o pleito, a não ser que o partido governante não consiga a maioria absoluta, caso em que será obrigado a uma coalizão que, naturalmente, condicionaria sua gestão.

O relevante é o eleitorado negar ou não a Erdogan a possibilidade de introduzir o presidencialismo, ou seja, dar mais um passo rumo ao sultanato.


Endereço da página: