Folha de S. Paulo


Nós que amamos tanto os EUA

Os Estados Unidos apresentam-se à Cúpula das Américas a partir de sexta-feira (10) na paradoxal condição de heróis e de vilões para seus pares.

Heróis porque, depois de mais de 50 anos, caiu a ficha, e o presidente Barack Obama reconheceu a inutilidade do cerco a Cuba e decidiu pôr fim a ele.

Aplausos de todos os países latino-americanos.

Vilões porque decidiram, faz pouco, impor sanções a sete cidadãos venezuelanos, pelo papel que desempenham na violação a direitos humanos, para o que tiveram que declarar "pro forma" que a Venezuela era uma ameaça à segurança norte-americana.

Ridículo prontamente condenado por quase todos os países da região.

O histrionismo habitual dos regimes bolivarianos, especialmente da Venezuela, tende a fazer que o papel de vilão acabe mais realçado que qualquer outro.

Tolice. Os EUA foram de fato vilões na América Latina desde, pelo menos, o patrocínio ao golpe de Estado contra o coronel guatemalteco Jacobo Arbenz, em 1954, até o pouco discreto apoio ao golpe contra Hugo Chávez, em 2002, passando por incontáveis ações semelhantes que semearam desgraças na América Latina.

Não obstante, os EUA são os queridinhos dos latino-americanos, conforme pesquisa do Centro Pew: 65% dos latino-americanos têm visão favorável dos Estados Unidos, diz o levantamento (de 2014).

No Brasil, essa mesma porcentagem aprova o vizinho do Norte (contra apenas 44% que têm visão favorável da China). Até na Venezuela, quase dois terços (62% exatamente) são favoráveis aos EUA.

A Cúpula das Américas é uma oportunidade ótima para juntar a fome (a necessidade de estreitar a cooperação com Washington) com a vontade de comer (a simpatia majoritária pelos EUA).

Não se trata, fica claro, de se agachar ante o poderoso vizinho, que até já nem exige mais esse servilismo, depois de ter vencido a Guerra Fria.

Agora, a guerra é por influência, e o adversário é a China. Mas, para o bem dos latino-americanos, não há incompatibilidade entre procurar tirar vantagens de um e outro parceiro.

Ao contrário dos tempos de Guerra Fria, já não se trata de vender modelos contrapostos: o capitalismo ganhou a guerra ideológica e do que se trata agora é de fazer dele, se possível, um instrumento de progresso para as maiorias.

No caso específico do Brasil, trata-se de tirar o máximo proveito, por exemplo, da enorme boa vontade norte-americana com o programa "Ciência sem Fronteiras".

Ou de explorar a possibilidade de um acordo comercial entre o Mercosul e o ainda maior mercado do mundo, como já ensaiou corretamente o ministro Armando Monteiro.

O Brasil já é grandinho o suficiente para evitar itens, nesse tipo de acordo, que machuquem suas possibilidades de desenvolvimento (aliás, já fazemos por conta própria o possível para atrapalhá-lo).

Espera-se que o "sussurro" em que se transformou a política externa não dê margem ao imperdoável que seria dar asas a anacronismos como o vociferante, mas fracassado, "socialismo do século 21".


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