Folha de S. Paulo


Uma ideia, pelo amor de Deus

Do escritor espanhol Valentí Puig, em artigo para "El País":

"A ple­na vi­gên­cia de um tem­po pós-i­deo­ló­gi­co não sig­ni­fi­ca que se possa fa­zer po­lí­ti­ca sem ideias".

Pois é, o Brasil já faz algum tempo tenta desesperadamente fazer política (e administrar) sem ideias.

Aliás, há um bom tempo não aparece uma única ideia no debate público que escape da indigência de um flá-flu ideológico falsificado, das acusações mútuas, do "eu roubei, mas você também rouba" e por aí vai.

A verdadeira crise brasileira é essa –a crise de ideias, mais que as dificuldades econômicas, mais até que a corrupção avassaladora ou o nó político.

É nesse cenário que foi alçado à Esplanada dos Ministérios um homem que pensa (Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação), um raríssimo acadêmico de esquerda que não ficou sepultado pelos escombros do Muro de Berlim e, por isso, não desistiu de pensar o país.

Se pensa bem ou mal, é questão que cada leitor decidirá de acordo com sua própria visão de mundo.

Entre os muitos textos desse filósofo, resgato um (revista "Interesse Nacional", 2009), no qual ele ousa propor uma "grande coalizão" entre PT e PSDB, mais ou menos como se fez na Alemanha, mais de uma vez, entre adversários tradicionais como a democracia cristã e a social-democracia.

Janine Ribeiro, ao contrário dos hidrófobos que predominam no PT (e também no PSDB), tem a coragem de reconhecer o que é evidente, mas que os dirigentes partidários se negam a aceitar:

"Embora continue havendo diferenças de programas, hoje ambos disputam um espaço mais próximo, que politicamente é o do centro, economicamente é o do apoio empresarial às campanhas, depois das eleições é o da ocupação de cargos, e então o caráter de disputa política cedeu espaço ao de disputa por espaços".

Bingo.

O que há no Brasil já faz anos é uma disputa entre projetos de poder e não entre projetos de país.

Prossegue Janine Ribeiro: "Paradoxalmente, isso pode explicar o caráter quase histérico da disputa política, tanto no Parlamento quanto na imprensa e mesmo na opinião pública: justamente quando os dois principais partidos se veem envolvidos, por exemplo, nas práticas chamadas de 'valerioduto', é que cada um trata de lançar a culpa no outro e de ignorar sua responsabilidade".

Valia há seis anos, vale hoje.

Há mais: "Se até 2002 se podia considerar que apenas pouco mais de metade da população votava em partidos favoráveis a um ambiente business-friendly, hoje esse é o caso talvez de 90% da população. Não há mais partidos importantes, no Congresso, que defendam a revisão radical dos compromissos econômicos do país".

Não pense que Janine Ribeiro é um ingênuo: ele sabe –e escreveu– que a proposta de "grande coalizão" era muito difícil à época e ainda mais difícil agora que a crispação tomou conta da atividade política.

É uma pena que o fígado tenha substituído o cérebro na política tapuia.

PS - Uma cirurgia me afastará deste espaço pelos próximos dias.


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