Folha de S. Paulo


Israel revisita Massada

Massada é um monte rochoso em frente ao mar Morto, que se tornou um épico na história dos judeus.

Cerca de mil deles, cercados pelos romanos, resistiram o quanto puderam até que foram mortos ou mataram-se uns aos outros (72 d.C.)

Essa epopeia faz com que, frequentemente, analistas citem "complexo de Massada" como uma das características dos judeus, sempre desconfiados (e não sem razão) que um mundo hostil os cerca.

Pois foi a Massada que uma maioria relativa mas sólida do eleitorado israelense decidiu regressar, na eleição desta terça-feira (17).

Até o fim de semana prévio à votação, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu estava, no mínimo, quatro cadeiras atrás de seu principal rival, o trabalhista Isaac Herzog.

Foi aí que Bibi, como é mais conhecido, deu o grito de regresso a Massada, na forma da declaração de que não permitiria que, durante seu governo, se criasse o Estado palestino. Foi um claro desafio à comunidade internacional, majoritariamente favorável à solução de dois Estados, e aos EUA, embora sejam os mais firmes aliados de Israel.

O apelo ao nacionalismo extremo ("vergonhosa demagogia de última hora", segundo David Axelrod, ex-conselheiro de Barack Obama) permitiu a Bibi virar o jogo.

O problema de revisitar Massada não é só a derrota dos judeus na versão original, mas o grande risco de voltar a perder agora.

Não há alternativa factível à solução de dois Estados. Ou Israel faz uma imensa limpeza étnica e joga todos os palestinos da Cisjordânia na Jordânia (ou no mar) ou fica com um só Estado para judeus e árabes.

Nesta hipótese, Israel perde uma ou ambas as características de que mais se orgulha: ou deixa de ser um Estado judaico, porque os palestinos rapidamente se tornarão majoritários, ou deixa de ser um Estado democrático, porque teria que aplicar um "apartheid" rigoroso para privar os palestinos de seus direitos.

"Israel escolheu o caminho do racismo, da ocupação e da construção de assentamentos, em vez de escolher o caminho das negociações e da parceria conosco", reagiu Yasser Abed Rabo, alto funcionário palestino.

A escolha só pode aumentar o isolamento de que já se queixam os israelenses. Mais e mais parlamentos de países europeus estão reconhecendo o Estado palestino que Bibi descartou (o Brasil já o reconhece há tempos e tem até uma representação diplomática em Ramallah, capital provisória de um Estado ainda a ser criado).

O resultado eleitoral fará com que os palestinos aumentem o que chamam de "intifada" diplomática, para obter mais reconhecimentos e, no limite, levar Israel à Corte Penal de Haia, pela destruição de Gaza e pela incessante construção de assentamentos em territórios que deveriam ser palestinos.

A Autoridade Palestina estuda também suspender a cooperação com Israel em matéria de segurança, o que tornará o território israelense mais suscetível a atentados terroristas, em parte contidos graças a essa colaboração.

Tudo somado, o complexo de Massada pode ter vindo junto com o voto do dia 17.


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