Folha de S. Paulo


Israel vota e deleta palestinos

Uma vez, ao me preparar para cobrir uma eleição em Israel, entrei em uma sala de bate-papo para israelenses, expliquei que era jornalista brasileiro e que não queria me limitar, na cobertura da eleição, a conversar com os suspeitos de sempre (políticos, acadêmicos, militares, sindicalistas). Queria ouvir também "pessoas comuns".

A primeira resposta foi fulminante: "Em Israel não há pessoas comuns".

Talvez fosse verdade naquela eleição. Na desta terça, 17, ao contrário, o eleitor israelense se comporta majoritariamente (48%) como o mais comum dos votantes: quer saber de assuntos econômicos, como o custo de vida e o preço das casas.

O que sempre atrai o olhar estrangeiro sobre pleitos israelenses –a relação com os palestinos– claro que também aparece, mas em segundo plano (é a preocupação de 19% apenas, conforme pesquisa recente do sítio "Times of Israel").

Ou, como prefere a "Economist", em seu texto de apresentação da eleição, "os palestinos, isolados atrás dos muros e cercas de segurança de Israel, são fantasmas na festa política de Israel".

Fantasmas é uma palavra adequada: desde a construção do muro que separa os territórios palestinos de Israel –e da consequente redução dos atentados terroristas–, os palestinos tornaram-se invisíveis para o establishment político israelense e para boa parte do público.

É essa invisibilidade que explica por que o premiê Binyamin Netanyahu, um dos principais responsáveis pela invisibilidade, não chega à votação como favorito, apesar da violenta guinada à direita que Israel deu nos últimos muitos anos.

Netanyahu governa há seis anos, período em que o preço da habitação subiu 54% só entre 2009 e 2013.

Aumentou a pobreza, a ponto de um estudo da ONG Latet afirmar que 29,8% dos israelenses vivem na pobreza –todo um insulto para o judaísmo e sua crença na justiça social e na igualdade (desde que não seja com os palestinos).

Todas as pesquisas divulgadas no fim de semana, após o que estão proibidas, dão vantagem para Isaac Herzog, o candidato trabalhista, aliado a Tzipi Livni, uma direitista que se tornou centrista e é firme defensora do acordo de paz com os palestinos.

Mesmo que Herzog vença, não quer dizer que será chamado a formar governo, porque a regra israelense é o presidente convocar não necessariamente o primeiro colocado, mas aquele que aparentar melhores condições para criar uma coalizão majoritária.

Se, em todo caso, Herzog conseguir ser mesmo o primeiro-ministro, há uma chance de que os palestinos saiam da invisibilidade e, pelo menos, se reinicie o eternamente fracassado processo de paz.

A diferença entre a reeleição de Netanyahu e a entronização de Herzog é claramente definida por Ghassan Khatib, ex-ministro palestino do Trabalho:

"Se Netanyahu for eleito de novo, há uma grande chance de que os próximos quatro anos [duração teórica do mandato] vejam o fim da possibilidade prática da solução dos dois Estados. Mas, se Herzog vencer, talvez haja nova chance".


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