Folha de S. Paulo


Dilma, ouça a receita Renzi

DAVOS - Ouvir o jovem Matteo Renzi, premiê italiano, 40 anos, remete inexoravelmente à presidente Dilma Rousseff.

É quando ele diz que "a transformação dos riscos em oportunidade é a qualidade da liderança" e que, por importante que seja a economia, "sem liderança política, nós não estaremos em condições de investir em um mundo diferente".

Quando é que pensei em Dilma ao ouvir Renzi no Fórum de Davos? Primeiro, no ponto em que ele diz que transformar riscos em oportunidade é qualidade de liderança.

Aparentemente, Dilma sentiu que havia riscos na condução da economia como vinha sendo feita e, por isso, resolveu criar uma oportunidade com uma guinada mal digerida em seu próprio partido.

O problema é que a presidente escondeu-se no palácio e não aparece em público para exibir a liderança política que o premiê italiano reclama.

Liderança que vá além da economia e aponte rumos em todos os diferentes campos em que o Brasil enfrenta dificuldades, todas elas arquiconhecidas e diagnosticadas.

Renzi, ao contrário, mostra-se hiperativo, com uma série de propostas de reformas internas e com um discurso para mudar também a política predominante na Europa.

"Eu luto para mudar a direção em que vai a Europa [centrada na austeridade], mas sei que minha função é fazer as reformas no meu país", diz.

Parêntesis: uma das reformas de Renzi, a da legislação trabalhista, provocou forte reação contrária dos poderosos sindicatos italianos, a exemplo do que ocorreu com Dilma quando da limitação de benefícios aos trabalhadores.

A diferença é que a grita, no Brasil, teve como alvo não a presidente, mas seu novo ministro da Fazenda. Não assim na Itália, em que Renzi era -e continua sendo- o alvo.

Fecha parêntesis e voltemos às comparações: ao contrário de Dilma, Renzi exibe uma ambição que soa até presunçosa.

Diz que, na Itália, até que ele assumisse, em fevereiro passado, o objetivo de cada primeiro-ministro era apenas o de "permanecer no cargo".

Ele quer o cargo para "mudar a Itália". Promete até quatro anos de mudanças, no pressuposto de que ficará até 2018, quando se encerra seu período, sempre e quando não seja derrubado antes por perder a maioria (coisa que, na Itália, ocorre com tremenda frequência).

Diferenças apontadas, voltemos às coincidências: Dilma e Renzi são fanáticos pelo crescimento, acima de qualquer outra coisa.

"O primeiro desafio de hoje é voltar ao crescimento", diz ele, em frase que vale para a Itália, sim, mas para toda a Europa também e igualmente para o Brasil.

Renzi defende algo que no Brasil se chamaria de truques orçamentários: acha que investir em projetos de infraestrutura importantes para a Europa não deveria ser computado no pacto de estabilidade (o que estabelece um limite máximo de deficit público de 3% do PIB para cada país europeu).

Por muito jovem que seja, Renzi promete que esses quatro anos de mudanças serão seu último emprego como político. No Brasil, ninguém faz idêntica promessa.


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