Folha de S. Paulo


2015 testará populismo

Governos ditos populistas passaram garbosamente, em 2014, pelos desafios eleitorais a que foram submetidos na Bolívia, Brasil e Uruguai. Mas é este 2015 que vai, efetivamente, testar nas urnas a saúde do populismo.

Atenção, não uso a palavra "populismo" (ou derivados) com conotação pejorativa ou negativa, ao contrário da maioria. Populismo pode, de fato, ser deletério, quando trata de distribuir riquezas que não foram criadas nem o serão.

Mas pode ser benéfico quando cuida de atender demandas populares secularmente postergadas na América Latina.

O problema maior do populismo, do meu ponto de vista, é que ele tem sido incapaz de promover mudanças estruturais que pudessem levar a um crescimento sustentado e a um desenvolvimento sustentável e socialmente mais justo.

É exemplar, a esse respeito, o caso da Venezuela. O populismo chavista conseguiu reduzir a pobreza de 51,7% no ano 2000 a 29% em 2012, último ano em que há estatísticas comparáveis, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Deu a uma massa de venezuelanos, pela primeira vez, a sensação de que eram cidadãos e não marginais.

Parabéns. Mas o modelo está esgotado. A Venezuela de Nicolás Maduro é uma ruína econômica sem contemplações.

A inflação (63,6% nos 12 meses até novembro) é recorde no hemisfério Sul; a economia retrocedeu 2,3% no terceiro trimestre, na terceira queda trimestral consecutiva; o dólar oficial vale 6,30 pesos, mas o paralelo é 228 vezes mais caro.

Falta quase tudo no comércio, a ponto de levar uma empresa citada no livro Guinness a fechar temporariamente suas portas. Trata-se da sorveteria Coromoto, da cidade de Mérida, que, há 30 anos, vende 863 sabores, o que a alçou ao Guinness. Motivo do fechamento: falta leite.Alguma surpresa com o fato de que 85,7% digam que o país está no rumo errado, conforme recente pesquisa do instituto Datanálisis?

O desgastado presidente Maduro já avisou que, logo no início do ano, vai corrigir o sistema cambial, que muitos analistas consideram o pai de todos os males econômicos do país. A mudança cambial tende a ser a última carta que Maduro jogará para tentar vencer a eleição de 2015 (para o Legislativo).

Resta ver se o presidente se renderá ao livre jogo de mercado ou se dobrará a aposta nos controles, por continuar acreditando que a situação crítica é produto de guerra econômica movida pela oposição.

Se preferir a segunda hipótese, Maduro terá de aumentar também a aposta no já intenso cerceamento da oposição, de maneira a evitar o que é natural em situações econômicas adversas (a derrota do governo de turno).

Ou, posto de outra forma, as eleições venezuelanas –que, no chavismo, foram razoavelmente livres, mas não justas– perderiam ambas as características, e a Venezuela deixaria de ser uma democracia.

O governo Dilma Rousseff, ele próprio um populismo em crise de identidade, continuaria calado ante essa violação das regras do jogo?

Feliz 2015.


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