Folha de S. Paulo


Sorria, o mundo está de olho

O mais importante na cúpula do G20 é o que não está explícito no texto final: a governança agora é global

O resultado mais importante da cúpula do G20, recém-encerrada em Brisbane, não aparece explicitamente no caudaloso documento final. Ou melhor, aparece em termos econômico-burocráticos, sem a dimensão política que de fato tem.

O que se prometeu criar em Brisbane é, para todos os efeitos práticos, o primeiro movimento de globalização da gestão pública.

Ou, posto de outra forma, os governos do G20, o Brasil entre eles, passam a prestar contas não apenas a seus próprios Congressos e à sua própria opinião pública, mas também a seus pares.

Explico melhor: o G20 lançou um plano de ação que promete fazer a economia global crescer 2,1 ponto percentual acima do que o Fundo Monetário Internacional previa no final de 2013.

Em números reais: a previsão do FMI era de crescimento de 2,9%. Logo, o mundo terá que crescer 5%, até 2018, para cumprir as metas fixadas em Brisbane.

A novidade é que, uma vez por ano, o FMI e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico farão uma avaliação do andamento das iniciativas apresentadas em Brisbane pelos países-membros do G20. Aí é que entra essa globalização da gestão pública, ao menos parcialmente.

É verdade que não está prevista a possibilidade de sanções em caso de não cumprimento das metas. Mas nenhum governo há de querer passar a vergonha de ser reprovado na escolinha FMI/OCDE.

Para o Brasil, há um problema adicional: o FMI não é tido como legítimo em seu atual formato.

Ou seja, sem uma reforma das cotas (e, por extensão, do poder de cada país-membro), o Brasil ficará na estranha situação de ser monitorado por uma instituição que acha que não o representa efetivamente.

No caso da OCDE, é um pouco a mesma coisa: reúne as 34 economias mais avançadas do planeta, e o Brasil está entre elas. Mas tem se recusado, sistematicamente, governo após governo, a aderir ao grupo, alegando que impõe políticas ortodoxas que o Brasil nem sempre está disposto a adotar.

Um segundo ponto em que a gestão se tornará global é em infraestrutura, notória carência brasileira.

Foi criado um Núcleo Global de Infraestrutura, provisório (durará quatro anos), com sede em Sydney, Austrália. Explica o projeto Mark Birrell, responsável pela agência australiana de infraestrutura:

"Durante demasiado tempo, houve uma carência de dados e de estudo de casos globais comparáveis sobre concorrências e financiamento de infraestrutura".

Com o novo Núcleo, as concorrências da Petrobras, por exemplo, ficariam em tese expostas internacionalmente, se é que o governo brasileiro vai listá-las entre as que apresentará ao novo organismo.

Se inclui-las, ou diminui a corrupção ou a corrupção também se globaliza (empreiteiras estão envolvidas habitualmente em todos os escândalos ocorridos em diferentes países).

Para os nacionalistas de plantão, tudo isso deve soar como heresia, ainda mais por envolver o FMI, antiga besta-fera da esquerda.

Mas o mundo é assim, cada vez mais interligado, gostemos ou não.


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