Folha de S. Paulo


Antes que sejamos México

Durante meu período como correspondente da Folha em Buenos Aires (1980/83), acompanhei incontáveis manifestações das "Madres" e, depois, das "Abuelas de Plaza de Mayo".

Bravas senhoras, de rostos vincados pelo tempo e pela dor, lenços brancos à cabeça, pedindo que lhes fossem devolvidos os filhos/netos que a repressão fizera desaparecer.

Na verdade, todos haviam sido mortos, mas era preciso gritar, uma e outra vez: "Vivos se los llevaron, vivos los queremos".

Gritos similares ouvi também no Chile e no Uruguai, outros dois países em que a selvageria do aparato repressor fizera vítimas em quantidade industrial.

Acabadas as ditaduras nesses três países e no resto da América Latina, com exceção de Cuba, o grito foi sendo paulatinamente substituído pelas explicações oficiais e/ou pelo julgamento e condenação dos responsáveis pelo genocídio.

Por isso, tomei um choque enorme ao ler que, no México deste 2014, o grito se repetiu. "Vivos se los llevaron, vivos los queremos", entoaram parentes e amigos dos 43 estudantes sequestrados em setembro e desaparecidos desde então.

O dramático nessa história é que, em vez de vivos, os parentes dos desaparecidos ouviram a informação oficial de que provavelmente vão recebê-los na forma de cinzas encontradas em sacos num rio.

Igualmente dramático é que o Brasil parece prestar pouca atenção a um episódio limite para a democracia mexicana, como se o Brasil fosse um paraíso de segurança e não houvesse, cá como lá, um conluio entre parte das forças repressivas e o narcotráfico.

Pondere você mesmo, leitor, se não vale para o Brasil, ao menos parcialmente, o que escreveu Enrique Krauze, intelectual mexicano de referência, sobre seu país para o "El País" desta segunda (10):

"O Mé­xi­co re­que­r um sis­te­ma de se­gu­rança e de jus­ti­ça que pro­te­ja o bem mais precioso, a vida hu­ma­na. A in­ces­san­te ma­ré do cri­me não só de­ve de­ter-­se, de­ve retroceder pela ação le­gí­ti­ma da lei. Ca­da dia que pa­ssa, o ci­da­dão –de­cep­cio­na­do de to­dos os par­ti­dos, os po­lí­ti­cos e a po­lí­ti­ca– afunda ainda mais no desânimo e no desespero".

Pondere também se não vale igualmente o apelo do cientista social Rubén Aguilar Valenzuela, no site Infolatam:

"No México moderno e inclusivo que todas e todos desejamos, é preciso superar a debilidade estrutural do sistema de segurança e de justiça. É uma obrigação irrenunciável dos três níveis de governo e também da sociedade".

Não lembra os debates da campanha eleitoral para presidente, em que tanto Dilma Rousseff como Aécio Neves prometeram envolver o governo central em uma área hoje entregue mais aos Estados, claramente impotentes para conter "a incessante maré do crime"?

É preciso cobrar insistentemente a promessa, sob pena de o Brasil, se tudo continuar como está, cair no estado assim definido (falando do México) pelo colunista Antonio Navalón ("El País"):

"O pac­to si­nis­tro en­tre co­rrup­ção po­lí­ti­ca e cri­me or­ga­ni­za­do é mor­tal pa­ra qual­quer país".


Endereço da página: