Folha de S. Paulo


Dilma, na guerra EUA x Argentina

Já não bastassem os problemas internos, eis que a presidente Dilma Rousseff tende a ser envolvida em uma crise externa, a das relações Argentina/Estados Unidos.

Por partes:
1 - A presidente Cristina Kirchner enviou, na sexta-feira, 31, dura carta a Barack Obama, cobrando posição sobre a, digamos, dupla militância de Nancy Soderberg. Ela é, ao mesmo tempo, presidente de um comitê assessor do Congresso norte-americano que trata da desclassificação de documentos públicos e de um grupo que faz lobby em favor dos chamados "fundos abutres", empenhados em cobrar da Argentina 100% da dívida "caloteada".

2 - Na carta a Obama, a presidente argentina diz que, se não houver explicações convincentes, surgirão "sérios problemas" para as relações com os Estados Unidos.

3 - É inevitável supor que Cristina cobrará apoio de Dilma na nova fase da batalha contra os "abutres".

O governo brasileiro até se solidarizou com a Argentina, numa etapa anterior do conflito. Agora, Cristina e Dilma têm um encontro pré-agendado durante a cúpula do G20, a realizar-se dentro de duas semanas na Austrália.

Obama também estará presente, e Cristina gostaria que ele defendesse, junto a seus pares, uma solução para impasses relacionados ao pagamento (ou calote) da dívida.

Como Dilma parece empenhada em restabelecer o bom relacionamento que havia com os EUA antes do episódio Edward Snowden, ficará emparedada entre a solidariedade ao sul e o correto relacionamento com o poderoso vizinho do norte.

Ainda mais que os argumentos de Cristina parecem sólidos.

Nancy Soderberg é de fato presidente da ATFA (Força-Tarefa Americana para a Argentina).

E o portal da entidade diz, claramente, que se trata de "uma aliança de organizações unidas para uma justa resolução do 'default' do governo argentino de 2001 e subsequente reestruturação".

Em português: os fundos que não aceitaram a reestruturação querem receber todo o dinheiro. Ponto.

A questão seguinte é saber até que ponto a dupla militância de Soderberg interfere nas posições das instituições norte-americanas.

Ela não trabalha para a Casa Branca, ao contrário do que se insinua na carta a Obama. O comitê que ela preside assessora o Congresso e em uma área que, em tese, nada tem a ver com dívida argentina (trata de desclassificação de documentos).

Mas é sabido que lobbies podem fazer a cabeça do Congresso, ainda mais quando a lobista tem uma carreira pública longa e influente (começou como assessora do senador Edward Kennedy, ícone democrata já morto).

O portal da Força-Tarefa deixa claro: "Nossos membros trabalham com legisladores, a mídia e outras partes interessadas para encorajar o governo dos EUA a buscar vigorosamente um acordo negociado com o governo argentino no interesse das partes americanas interessadas".

Ou seja, não busca os interesses também do governo argentino, mas apenas o dos credores.

Cristina está, pois, fazendo o contraponto necessário. Dilma deveria apoiá-la.


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