Folha de S. Paulo


Muito além da margem de erro

Piadinha que circula profusamente nas redes sociais: "hoje é domingo, mas, considerando a margem de erro, pode ser sábado ou segunda-feira".

Desnecessário dizer que se trata de uma ironia dirigida aos institutos de pesquisas e seus erros na eleição do dia 5. Mas poderia voltar-se também para o vetusto Fundo Monetário Internacional.

A instituição acaba de divulgar um estudo em que reconhece que suas previsões sobre o desempenho da economia no período 2011/14 foram "demasiado otimistas".

Na média das previsões para esse período, o FMI "chutou" no início do ano um crescimento global 0,6 ponto percentual acima do que a realidade acabou cravando.

Se errou na média global, em casos específicos, como o dos países em crise (Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda), o equívoco foi ainda mais forte -de 1,4 ponto percentual entre 2011 e 2013 e de 1 ponto percentual entre 2011 e 2014.

Um ponto percentual parece pouco, mas, traduzido para o PIB brasileiro, daria algo em torno de US$ 22 bilhões, ou R$ 52 bilhões ou, mais concretamente, cerca de 2 milhões de Fiats Uno que deixaram de ser incorporados à riqueza nacional.

(Tenho dúvidas se carros são hoje por hoje uma riqueza ou um problema, mas essa é outra história).

Por que erra tanto o FMI? Responde, para "El País", James Galbraith, professor da Universidade do Texas: "O problema básico dos prognósticos do FMI é que se baseiam em uma análise muito mecânica, o que é uma complicação quando há uma mudança de contexto".

Mudança de contexto é o que mais ocorre na economia, dado que ela é o resultado das ações (ou falta delas) de bilhões de indivíduos.

No fundo, é o que já escrevi mil vezes: previsões de economistas têm tanta chance de acertar como jogar os búzios ou ler as cartas do tarô.

Mais grave do que errar tão frequentemente é o fato de que o FMI aplica a mesma "análise mecânica" às suas recomendações para os países que caem na sua rede.

Se as previsões são erradas, nada indica que as recomendações de políticas não o sejam igualmente.

Uma coisa é recomendar a política "xis" para um país que o Fundo imagina que vá crescer, digamos, 2%, e outra coisa seria a política para o mesmo país se fosse crescer só 0,6%, usando o parâmetro dos erros reconhecidos.

Quem paga pelos erros, no entanto, não são os economistas do Fundo, mas a sociedade à qual receitam seus programas "mecânicos": a Grécia, por exemplo, conhecerá o sexto ano consecutivo de recessão sob tutela do FMI.

E ainda por cima festeja o fato de que a recessão foi de "apenas" 3,3% em 2013, quando o Fundo previa originalmente -3,9% (um raro erro para melhor).

Aliás, outra confissão de erro da instituição: foi sempre mais leniente com os países com os quais tinha programas de salvamento (sic) do que com os outros. Mais leniente também com os desenvolvidos do que com os em desenvolvimento.

Fico com pena do ministro Guido Mantega, crucificado por seus erros de previsão, sem que ninguém aponte o dedo para o sacrossanto FMI.


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