Folha de S. Paulo


Desigualdade, desaba uma lenda

Aleluia, enfim pesquisadores dedicaram-se a estudar, seriamente, a desigualdade de renda no Brasil, com base em dados do Imposto de Renda, e chegaram a uma conclusão que, para mim, é óbvia faz um punhado de anos: a queda da desigualdade no Brasil, tão trombeteada por alguns acadêmicos e pelo governismo, não passa de mito.

Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, todos da UnB (Universidade de Brasília) e, os dois primeiros, também do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), desconfiaram, como todos os pesquisadores sérios deveriam fazer, dos dados coletados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar), o único instrumento em que se apoiava a lenda da queda da desigualdade.

Não é instrumento idôneo: os pesquisadores perguntam a renda da família. Quem vive só de trabalho ou de outro rendimento fixo diz o que ganha. Quem, além do salário ou de rendimento fixo, recebe proventos advindos de aplicações financeiras omite essa parte da renda. Ou por mero esquecimento, portanto de boa-fé, ou por medo (do fisco, de sequestro, do que seja).

Como aumentou a renda dos mais pobres, a partir dos diferentes tipos de bolsas, a pesquisa registra diminuição da desigualdade, mas somente por uma falsa declaração dos mais ricos.

Vejamos o que dizia Marcelo Neri, hoje ministro de Assuntos Estratégicos e o mais renitente trombeteador da lenda, à Folha no dia 10 de agosto de 2008: "As pesquisas não captam bem a renda dos ricos e do capital em geral. Por isso não acredito em estimativas de ricos no Brasil a partir de pesquisas domiciliares".

Muito bem: os pesquisadores da UnB/Ipea partiram da mesma desconfiança, mas, ao contrário de Neri, fuçaram nos dados do IR. Conclusão, informa a repórter Renata Agostini, desta Folha: "É provável que a queda da desigualdade nesse período, identificada nas pesquisas domiciliares, não tenha ocorrido ou tenha sido muito inferior ao que é comumente medido. As pesquisas domiciliares, tudo indica, identificam melhoras na base da distribuição, mas a desigualdade total depende também do que ocorre no topo, escrevem".

De fato, a pesquisa do trio mostra que os 5% mais ricos passaram de deter cerca de 40% da renda total do país em 2006 a abocanhar 44% em 2012.

Guardadas as proporções, o 1% mais rico e o 0,1% super-rico também ficaram com uma fatia ainda maior da já obscena cota que detinham em 2006.

Já a Pnad, a base para o mito da queda da desigualdade, informava que a fatia que cabia ao grupo dos 5% mais ricos vinha caindo desde 2006 e fechara 2012 em 35% –abaixo, portanto, dos 44% indicados pelo estudo agora divulgado.

A concentração de renda –uma chaga aberta na pele do Brasil– pode ser ainda mais profunda, posto que apenas cerca de 13% dos brasileiros são obrigados a declarar o Imposto de Renda e não é possível contabilizar a renda das pessoas jurídicas.

Agora é esperar que os distraídos, jornalistas inclusive, parem de falar sempre que a desigualdade diminuiu no Brasil. Já não seria lenda, mas fraude.


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