Folha de S. Paulo


Tudo junto e misturado funciona?

É mera coincidência, mas talvez seja premonitória: nesta segunda-feira, 25, em que Eduardo Giannetti, conselheiro de Marina Silva, sonhava nas páginas da Folha com a colaboração de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso em um eventual governo Marina, ruía na França um arranjo com algum (remoto) parentesco com esse.

Comecemos pela França: acabou depois de apenas 147 dias a convivência entre um primeiro-ministro (Manuel Valls), neoliberal, e um ministro da Economia (Arnaud Montebourg) da esquerda do Partido Socialista, a que ambos pertencem. Acabou, portanto, a experiência de misturar num mesmo governo água e vinho, como escrevi aqui (http://folha.com.br/no1435089).

Montebourg atacou, em entrevista ao "Monde" e depois em comício no seu feudo eleitoral, as políticas de austeridade que ele acusa o presidente François Hollande de estar seguindo.

"Ultrapassou o sinal amarelo", reagiu Valls, que obteve de Hollande a dissolução do governo e a sua própria convocação para formar um novo, sem Montebourg, é claro.

Se era previsivelmente complicada a convivência de ideias opostas, embora aninhadas no mesmo partido, torna-se muito mais complexa uma eventual coalizão Lula/FHC/Marina.

Não que sejam absolutamente incompatíveis. Já comentei neste espaço a tese do filósofo Renato Janine Ribeiro, dos melhores que conheço, de que o melhor para o Brasil seria uma coligação PT/PSDB. Como, à época do artigo de Janine Ribeiro, Marina Silva ainda fazia parte do PT, dá para supor que o filósofo a incluiria na coligação, tal como agora divaga Giannetti.

É bom lembrar ainda que Fernanda Torres, em recente coluna para esta Folha, escreveu que considera "a animosidade que se criou entre PT e PSDB algo próximo do horror que levou Caim a matar Abel. O Brasil saiu perdendo, e muito" (http://folha.com.br/no1503802).

Não estamos, pois, ante um delírio de malucos, mas de uma hipótese que fascina pessoas que pensam –e pensam bem.

Suspeito, porém, que, mesmo que se dê a hipótese desejada por Giannetti, ela não durará muito mais que os 147 dias da convivência Montebourg/Valls. Até porque o que afastou os dois políticos franceses tenderia a rachar também protagonistas de um entendimento no Brasil.

Refiro-me à já velha pendência entre austeridade e crescimento. Em tese, não há incompatibilidade entre uma e outro. Mas, na prática, os países que foram forçados a adotar a austeridade ficaram anos com crescimento negativo ou baixo.

O Reino Unido, por exemplo, só recuperou no segundo trimestre de 2014 o tamanho que a economia tinha pré-crise de 2008.

No Brasil, o PT seria Montebourg e, o PSDB, Manuel Valls. Enquanto se estapeiam, o chefe de ambos, François Hollande, bate recordes sucessivos de impopularidade (tem o apoio de só 17% dos franceses).

Nem Marina nem Lula nem FHC aguentariam um tranco desse tamanho, a menos que o trio fosse capaz de produzir políticas que combinassem austeridade com crescimento. Seriam todos "sonháticos".


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