Folha de S. Paulo


Brics, cinco letras soltas

O calendário mundial de eventos do Council on Foreign Relations para julho não lista a cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que começa nesta segunda-feira (14).

Erro de avaliação do Council ou perda de importância dos Brics? Aposto mais na segunda hipótese. Houve, de fato, uma época em que, cada vez que se reuniam os Brics, a mídia internacional comentava o suposto desafio que eles representavam à ordem internacional dominada pelos Estados Unidos.

Agora, parece ter se consolidado a impressão de que os Brics "não são uma aliança política crível", como disse à Folha Vali Nasr, da Universidade Johns Hopkins.

Não é crível pela simples e boa razão de que não atuam coordenadamente.

Coordenam-se apenas quando há um interesse digamos corporativo, como é o caso do único resultado palpável a sair da cúpula, o banco de desenvolvimento do grupo.

Assim mesmo, vale a advertência de Marcos Troyjo nesta Folha: os Brics não devem cair na tentação de tratar o banco como contraponto ao FMI e ao Banco Mundial.

Pelo menos na ótica da diplomacia brasileira, trata-se de um complemento às duas grandes instituições globais, como sugere Troyjo.

Ainda faltava definir, até o fim da semana, a sede do banco (disputam Xangai e Nova Déli) e a nacionalidade dos que vão dirigi-lo, mas a construção técnica está terminada.

Não deixa de ser um passo significativo, mas é muito pequeno para que os Brics possam se lançar como alternativa ou mesmo como complemento da governança global.

Começa pelo fato de que a coesão política do grupo é muito tênue, como admitem até os diplomatas envolvidos nas negociações.

Tão tênue que a declaração final da cúpula de Fortaleza/Brasília contém apenas platitudes sobre os temas agudos da atualidade.

Sobre a Ucrânia, por exemplo, o grupo apenas repetirá o que cada um de seus membros disse, isoladamente, na ONU a respeito do referendo na Crimeia, que acabou por levar à anexação pela Rússia. Exceto a própria Rússia, como é óbvio, os demais Brics preferiram a abstenção.

É natural que seja assim: não há ainda um mecanismo de consultas entre os cinco Brics que leve a uma tomada de posição comum, mesmo em temas em que seja possível a concordância de todos. Por isso mesmo, ninguém se preocupa em saber o que pensam os Brics cada vez que há alguma crise. Os Brics simplesmente não pensam como grupo.

Alguns deles, a China, por exemplo, tampouco pensam em atender demandas dos parceiros, como o Brasil. Desde o início da Presidência Dilma Rousseff, o Brasil vem cobrando inutilmente mudanças na qualidade do comércio bilateral, em que o Brasil entra com commodities e, a China, com produtos acabados.

Por extensão, como mostraram Mauro Zafalon e Tatiana Freitas na sexta (11), desde a primeira cúpula do grupo (2009) até agora, as exportações brasileiras para a China aumentaram 111%, mas as importações procedentes da China subiram 171%. Está mais para relação colonial do que para parceria.


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