Folha de S. Paulo


Maduro enfrenta fogo amigo

A maior ameaça ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não vem dos protestos dos estudantes/oposição e, sim, do fogo amigo.

A fratura no chavismo ficou exposta, publicamente, com a demissão do ministro do Planejamento, Jorge Giordani, fiel assessor de Hugo Chávez desde sempre, considerado o ideólogo das políticas econômicas bolivarianas.

Trocas de ministros são uma constante no período chavista, mas, desta vez, o substituído saiu atirando e com armas de grosso calibre. Divulgou carta em que desautoriza o presidente Nicolás Maduro tanto como chefe de governo como na qualidade de herdeiro de Chávez.

"Surge uma clara sensação de vazio de poder na Presidência da República", dispara. Acrescenta: "O legado de Chávez (...) não pode ser confiscado em nome do próprio Chávez nem pretender ser o atual presidente seu único destinatário".

A carta de Giordani assume como verdadeiras duas das acusações que a oposição repete incessantemente: a de que houve abusos nos gastos públicos para dar a vitória ao governo nas duas eleições de 2012 e a de que há corrupção.

Sobre o abuso: "A superação [dos desafios eleitorais de 2012] se conseguiu com um grande sacrifício e com um esforço econômico e financeiro que levou ao acesso e uso dos recursos a níveis extremos."

Acrescenta que esse tipo de gastos não é sustentável, com o que concordam 11 de cada 10 analistas venezuelanos independentes –e, claro, a oposição. Sobre a corrupção, diz ser preciso "freá-la, por meio de novo controle dos grandes fundos do Estado".

O racha no chavismo foi exposto no "site" Aporrea, quintessência bolivariana na internet, que, primeiro, divulgou a carta de Giordani e, depois, publicou comentários contrapostos de blogueiros. Há os que acusam o ex-ministro de apunhalar Maduro pelas costas, como há os que dizem, casos de Toby Valderrama e Antonio Ponte, que "Giordani não é um traidor" e que seu alerta não pode ser desprezado.

Que há um racha é, pois, público, mas é difícil traduzir seu significado em termos de política econômica, sabidamente em processo de naufrágio.

Antes da saída de Giordani, fora defenestrado Nelson Merentes, que, como ministro de Finanças, compartilhava o controle da economia com Giordani. Merentes era tido como mais ortodoxo do que Giordani, bem mais à esquerda. Merentes foi, digamos, promovido a presidente do Banco Central, mudança a princípio interpretada como predomínio da esquerda pura e dura.

Com a queda de Giordani, o novo homem forte da economia passa a ser Rafael Ramírez, engenheiro ligado a vida toda à PDVSA, a Petrobras da Venezuela.

Se é assim, a esquerda chavista pode ver confirmada a tese de Giordani de traição ao legado de Chávez: em palestra em Londres, Ramírez defendeu medidas ortodoxas, como unificar a taxa de câmbio, que, hoje, é um quebra-cabeças terrível, e aumentar o preço da gasolina, a mais barata do mundo.

Tudo somado, parece claro que os protestos de rua são o menor dos problemas para o sitiado Maduro.


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