Folha de S. Paulo


Brasília não é Brasil

Você é capaz de imaginar uma manifestação em qualquer cidade brasileira que grite: " Voto distrital/voto distrital"?

Improvável, para não dizer impossível. Menos, é claro, em uma capital chamada Brasília ou ao menos na parte dela ocupada pelo mundo político.

O Palácio do Planalto e o Congresso passaram a discutir unicamente uma reforma que não é nem política, é eleitoral, como se todos os protestos dos últimos 20 dias girassem em torno de voto distrital, financiamento de campanha, voto em lista, reeleição ou não - enfim, toda masturbação sociológica em que gostam de se empenhar os políticos.

Justiça se faça, em todo o caso, à presidente Dilma Rousseff que apresentou cinco pactos, apenas uma deles de cunho político. Os demais recolhiam de fato a pauta da rua. Se mal ou bem, que a rua o diga.

Mas Dilma também passou rapidamente a discutir os temas políticos, talvez por saber que aperfeiçoar os serviços públicos --a verdadeira questão em jogo-- é algo que demanda tempo. E por não saber se a rua lhe dará o tempo necessário.

Quando os manifestantes cobram melhorias nos serviços públicos, estão cobrando uma melhoria também da política, que deveria ser serviço público, mas se tornou, nos últimos muitos anos, uma ação em favor dos interesses privados dos congressistas, os federais, os estaduais ou municipais.

O que se demanda é que os políticos se tornem intermediários entre as demandas da sociedade e o poder público, em vez de despachantes de interesses privados, às vezes legítimos, mais vezes indecentes.

Cito, por exemplo, texto para "The Nation" das jornalistas brasileiras Natalia Vianna e Marina Amaral, da Agência Pública, de jornalismo investigativo. Depois de lembrar que o custo total das obras para a Copa do Mundo-2014 se elevará a US$ 16,5 bilhões, "pouco menos do que o orçamento anual para a educação", as jornalistas dizem: "Estes investimentos terminarão sobretudo nos caixas das grandes empreiteiras, que financiam as campanhas eleitorais".

Levante a mão aí quem acha que a eventual adoção do financiamento público de campanha acabará com tal promiscuidade. O mais provável é que, ao dinheiro público que se destinará aos partidos, se junte, por baixo do pano, o dinheiro do setor privado. Ou você já se esqueceu da confissão de Luiz Inácio Lula da Silva, em pleno escândalo do mensalão, de que o PT fazia o que todo mundo faz. Ou seja, fazia caixa 2, como todo mundo. E caixa 2 "é coisa de bandido", conforme Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça.

O que é preciso, pois, é acabar com a bandidagem na política, o que não se consegue com leis, decretos, plebiscitos ou referendos. Consegue-se algo (não tudo) com mecanismos de controle social, que aqui e ali até existem mas não estão funcionando, do que dá prova o fato de que a sociedade --parte delas ao menos-- teve que sair às ruas.

Para falar a linguagem da rua, Brasília poderia começar cortando os gastos excessivos com a política, desde os gabinetes superpovoados de deputados e senadores até essa "burrice" de 39 ministérios, conforme os definiu o empresário Jorge Gerdau, que é um colaborador da chefe da "burrice", não um oposicionista.

Vale também para Estados e municípios. Uma boa parte das cidades brasileiras não consegue se manter com recursos próprios. Depende, pois, de repasses federais ou estaduais. Mas, assim mesmo, mantém toda uma estrutura burocrática de Câmaras Municipais inchadas e Prefeituras idem.

O Brasil precisa de um Estado forte, ao contrário do que dizem muitos, mas não dá para confundir força com gordura, ainda mais gordura excessiva. E de uma estrutura política capaz de ouvir a rua brasileira, não o som que vem dos gabinetes de Brasília, blindados contra os problemas do cotidiano.


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